31/03/2013

Antanho

O QUE VÃO DIZER DE NÓS EM 2060? 
Encontrei algumas dicas de etiqueta dos anos cinquenta que refletem bem como era rigorosa a vida das pessoas naqueles anos. Regras para tudo e principalmente para as mulheres a coisa era ainda mais complicada. Moças e senhoras de família cumpriam-nas com a máxima preocupação para não serem mal faladas. Embora algumas delas ainda permaneçam meio que disfarçadas, a maioria, hoje, não teria cabimento.
“Toda senhora caminha sempre à direita do cavalheiro. Porém se transitar numa calçada essa norma deve sofrer modificação: o homem toma o lado da rua e a senhora o lado do parede” (1950) 
“Pentei-se de acordo com sua profissão e trabalho. Uma datilógrafa deve evitar cabelos soltos que atrapalharão seu serviço e lhe darão uma impressão de desleixo” (1950) 
“Toda dona de casa deve saber que o raciocínio das domésticas nunca é tão apurado e tão rápido quanto o dela. Daí a necessidade constante da sua supervisão” (1953) 
“Quando for comprar um dedal, prefira o tipo que tem as cavidades bem grandes, que evitará que a agulha se desvie” (1956) 
“Se você quer ter luvas chiques, não se limite às de tipo curto ou longo. Use-as de acordo com o tamanho da manga do seu vestido” (1950) 
“Se você é baixa e gorducha... Não ponha brincos com pingentes. Use brincos de tamanho médio, junto ao lóbulo da orelha” (1950) 
“Pouca coisa é mais deselegante e revela tão completa falta de sentimentos que num velório ou visita de pêsames, passar-se a contar casos que despertem nos demais a vontade de rir” (1958) 
“Só são trocadas palavras com estranhos, quando absolutamente necessárias” (1950) 
“Seguir esta regra de ouro: 'Onde vos querem muito, ide pouco. Onde vos querem pouco, nem ide' certamente evitará situações embaraçosas” (1957)

“Uma jovem ajuizada não deve manter um namoro para ‘passar tempo’, se não quiser ficar exposta a maledicências” (1954) 
“Uma senhora sempre está no direito de pôr fim a uma conversa inamistosa com um cavalheiro, pois não é prudente, nem educado, prolongá-la” (1949) 
“Quando de uma reunião de senhoras numa residência oferecida para tal, o chefe da família não necessita estar presente” (1950) 
“Leite e água devem ser as principais, senão únicas, bebidas das mulheres que esperam criança. As alcoolicas serão cortadas sumariamente” (1955) 
“É ignorante das boas maneiras quem demonstrar excesso de amabilidade, gentileza e cortezia. Isso deve ser natural e em quantidade moderada” (1957) 
“Painéis de pano bordados com cenas domésticas afixados nas paredes da cozinha, contribuem muito para tornar mais alegre e agradável o ambiente” (1949) 
“Uma jovem é que deve ser apresentada a uma dama, não o contrário” (1950)

“Não é delicado uma senhora dirigir-se ao marido da amiga ou conhecida, para fazer-lhe um pedido ou convite” (1956) 
“Em vistas de cerimonia as senhoras não precisam retirar abrigos e luvas. Os homens, sim, devem deixar no vestíbulo o sobretudo e o chapéu” (1959) 
“Quando uma visita se retira, devemos deixar a porta aberta até que se tenha se afstado bastante” (1959) 
“Evite sempre os arrulhos amorosos em público. Se é casada, essa exibição de ternura carece de sentido. Se se trata de noivos, provoca a impressão de uma intimidade um tanto imprópria. Se é um simples namoro, aí então, é muito mais grave, porque a tendência é de pensar-se sempre o pior” (1949) 
“Todos os pais devem manter-se distantes das rusgas dos noivos, pois dessa forma o ajuste entre eles se torna muito mais fácil” (1949) 
“Existem intimidades e confidências que correm grave risco se forem confiadas às cartas, pois estas podem extraviar-se ou ser lidas por pessoas que não conferem nossa confiança” (1949) 
“É de péssima educação tocar-se nos alimentos com as mãos cobertas por luvas” (1950) 
“Vestido de baile não deve ser utilizado para outra finalidade” (1950) 
“Gestos? Não os faça. São por demais impróprios a uma pessoa bem educada. Reprima sempre os movimentos superfluos” (1949) 
“A família de um rapaz que acaba de contratar casamento tem como obrigação visitar a noiva logo depois do compromisso, mesmo que a união não seja do seu agrado” (1954) 
“Uma senhora não deve fazer visita em companhia de algum homem que não seja seu marido ou pai” (1954) 
“Para carta manuscrita e social só será usada tinta preta ou azul. A de outra cor denota péssimo gosto e muita vulgaridade” (1954) 
“Se você quer diminuir a altura, use vertido de duas peças. Evite uma linha só, do decote à barra do vestido”  (1952) 
“Não deixe nunca que as alças de sua 'lingerie' apareçam em um decote. Nada mais deselegante e de mau gosto, para causar má impressão” (1957) 
“Rompido o namoro ou o noivado, as cartas e retratos trocados entre os interessados devem ser devolvidos. Escapam desta obrigação os presentes pessoais” (1953) 
“Deve-se evitar assoar-se em público. Sendo inevitável, não fazê-lo com ostentação e nunca expor o lenço depois de usado” (1949) 
“Jamais uma carta amiga pode ser escrita a máquina. Manuscritá-la é sinal de deferência.  (1953) 
“Demonstrações de afeto entre esposos devem ser feitas longe dos olhares alheios, que na maior parte das vezes as criticam como tolas, vazias e imprudentes” (1954) 
“ Entrar em conversa animada com caixeiras e balconistas procurando barateamento de preços é profundamente deselegante” (1959) 
“Se você é do tipo ingênuo NÃO use vestidos de noite complicados. USE modelos modestos e românticos” (1950)
 “Toda mulher deve ter o máximo cuidado com o porte. Não deve descuidar da maneira de andar, do modo correto de sentar-se e de muitas outras atitudes” (1955)
“No escritório, moços e moças devem levantar-se quando um superior lhes dirigir a palavra” (1956) 
“Não fica bem para uma moça convidar um jovem para almoço ou jantar, a sós” (1955) 
“Para evitar situações constrangedoras, o casamento de filhos de desquitados deve ser realizado na maior simplicidade possível” (1956) 
“Pimenta do reino, em pó, espalhados nos armários de livros afasta as traças e diminui o bolor” (1958) 
“Uma senhora correta evitará fumar na rua ou em qualquer outro lugar público” (1956)
“Se você tem muito busto, use blusas simples e de preferência enviasadas” (1950) 
“Não devemos usar nunca o lápis em nossa correspondência. A tinta é sempre o material correto” (1955) 
“Nenhuma dama deixará de apertar qualquer mãos que lhe queiram cumprimentar, mesmo que isso a obrigue, mais tarde, a uma desinfecção” (1949) 
“Se ainda não passa dos 21 anos, não prefira perfumes de aromas fortes” (1958) 
“Para um andar ereto e ritmado faça, diariamente, o seguinte exercício: suba e desça as escadas equilibrando um livro sobre a cabeça. Quando puder fazer isso sem lembrar-se do livro, saiba que seu andar passou a ser distinto e elegante como as artistas de cinema” (1949) 
“Deve-se fazer uso do garfo e faca para comer um sanduiche. Causa má impressão tomá-lo com as mãos” (1951) 
“Entre pessoa adulta e jovem, deve sempre haver uma certa distância nas conversações” (1951) 
“Falar tudo que vem à cabeça para criticar pessoas é sinônimo perfeito de falta de educação” (1959) 
Não vale gozar, a gente ainda carrega muito preconceito em 2013. O que vão dizer de nós nos próximos anos sessenta?

30/03/2013

Beatles, Pelé, Shakespeare, Suely, Zeffirelli e Rita.

ELES TÊM MUITO EM COMUM.
Três fatos marcaram o ano de 1970 para mim: o anúncio que os Beatles iriam se separar, a conquista da Copa do Mundo no México e a minha primeira namorada, a que foi, embora nunca tivesse sido. 
Com o primeiro fato fiquei desolado, afinal, desde 1964 eu acompanhava pelas ondas do rádio e pela vitrolinha o que havia de mais revolucionário no mundo em termos de música e comportamento. Dos dez aos dezeseis anos eu curtia e esperava o lançameto dos LPs e os compactos simples. Não comprava nenhum deles, não tinha grana, mas era bom demais ver os cartazes nas lojas de disco e ouvir as músicas novas. A molecada jogava bola e empinava pipa, que na época chamávamos de "quadrado",  delirando ao som de  Love Me Do, Please, Please Me, Twist and Shout, I feel fine e outras tantas. O rock e as baladas ingênuas dos Beatles eram temas de fundo nas brincadeiras e nas paqueras. Eu lia as notícias sobre o conjunto (era assim que se falava das Bandas) pela revista Intervalo, especializada em TV, rádio e música e pelas matinês dos domingos com os filmes, A Hard Day's Night, que aqui levou o patético nome de "Os Reis do Iê Iê Iê", Help e Let It Be, este já na fase final.
Me lembro do locutor da rádio Bandeirantes anunciando que os Beatles iriam se separar, que a convivência entre eles estava cada vez mais difícil. Que Paul, John, George e Ringo não se entendiam mais como antes e que tudo iria para o inferno. Não acreditei de início, pois nos filmes e revistas via que os quatro cabeludos de Liverpool eram muito amigos. Tempos lentos e ingênuos aqueles. 
O segundo fato importante foi a conquista do Tri. O Brasil de Médici sagrou-se três vezes campeão do mundo e mostrando ao mesmo mundo, pra nós pelo menos, que era de verdade, "um país que ia pra frente". Zagalo era o técnico, Félix, o goleiro, Brito, Carlos Alberto, Wilson Piaza, Everaldo, Clodoaldo, Gerson, Jairzinho, Tostão, Pelé e Rivelino. Foram seis jogos do Brasil, seis dias espetaculares com vitórias mais que comemoradas sobre a Tchecoslováquia por 4 x 1, da Inglaterra por 1 x 0, Romênia por 3 x 2, Peru de 4 x 2, Uruguai por 3 x 1 e com a Itália na final inesquecível, por 4 x 1. Era muito para um rapaz  de 16 anos que como eu, amava os Beatles e os Rolling Stones.
Em cada jogo eu chorava de alegria e acreditava mesmo que o Brasil era um país de gente alegre e tão contente. Pelé arrebentou na Copa do Mundo, enquanto os brasileiros eram arrebentados pelo Brasil. Alguns, literalmente. 
O terceiro fato marcante foi eu ter experimentado o gostinho azedo da decepção, o da rejeição amorosa, daquelas que via no cinema e na televisão, que até então, não pensava que poderia acontecer comigo. A menina da escola, a que lembrava muito a Julieta do filme de Franco Zeffirelli, chamada Suely, (com ipsilon mesmo) não gostava tanto de mim como eu imaginava que poderia gostar. Paguei pau por ela o ano todo e somente no final, nos últimos dias de aula, consegui o sim. Forcei tanto até ouvir o "Tá bom, vamos namorar!"  Me lembro do olhar de desdém dela, meio que, "que cara chato, fico com ele uns dias e depois… chega". História muito diferente do filme que fazia sucesso na ocasião.
Durou uma semana este micro namoro, aliás eu nem sabia como namorar. Ficava o tempo todo contando vantagens para impressioná-la, achando que com isso eu estava abafando. O pior é que muita gente dizia que parecíamos mesmo com o Romeu e Julieta do filme, tanto eu quanto ela lembrávamos os jovens atores. Só lembrávamos, pois nem de longe, por parte dela é certo, a paixão era doentia. 
De um sábado morno em uma tarde nublada, dia em que me senti o cara mais feliz do mundo, até a sexta feira da semana seguinte, que pra mim foi uma Sexta Feira-13, das mais 13 que poderia ser, tive uma semana que ficou na memória como a da semana da desilusão
Na verdade não foi somente esta semana que vivi aflições, de março ou abril daquele ano, desde o momento em que a conheci até o derradeiro "não quero mais namorar com você, você é legal, mas…", muita coisa aconteceu que me deixavam amargurado. 
Nesse aspecto, num todo, o ano de 1970 foi mais triste do que legal. As paquerinhas de início, o dia em que alguém nos apresentou formalmente, apertávamos as mãos na época nessas oportunidades, os recadinhos fortuitos, os encontros rápidos, os sorrisos e outras coisas assim, foram as partes boas da história. Às vezes acreditava mesmo que ela gostava de mim, mas em outras ficava na dúvida e no final, a constatação, a conclusão de quanto tinha sido um moleque idiota em pensar que ela me queria. O que ela pretendia mesmo, eu vi depois, era tirar um sarro da minha cara. Nada mais que isso. Mico puro.
Até surra eu levei da molecada da rua onde ela morava, lá no Pari na Rua Silva Teles quase esquina com a Rua Cachoeira. Mal sabia eu que a Suely era a queridinha do valentão do pedaço e que dele, descobri eu, ela gostava. Acho que ela me usou para provocar ciúmes no moleque.
Só sei que nesta sexta, por volta das nove da noite, uns quatro ou cinco pivetes me cercaram e logo foram dando porrada. Meus óculos voavam o tempo todo e eu me arrastava pelo chão para pegá-los antes que um deles metesse os pés nos aros.
Levei, mas dei porrada também, até no grandão metido a besta que se julgava o dono da situação. Apanhei até ser socorrido por uma senhora que me levou pra dentro da casa dela, cujo marido, acho que com pena de mim, me levou com seu fusca até próximo de casa.
Foi uma sexta-treze no melhor estilo. Além de ter ouvido o "não quero mais" da Suely, acabei chegando em casa com manchas de sangue pelas roupas, deixando minha mãe mais brava ainda e quase apanhando de novo. Fui dormir com o coração dolorido, doía mais que as dores dos hematomas do corpo.
O desfecho do namoro foi diferente do filme do Zeffirelli, acho que a menina não suicidou-se e tão pouco sei se ela ficou com o valentão. De minha parte não cometi suicídio algum, embora meu desejo na época fosse de sumir para sempre. Sorte a minha que esse sempre durou pouco, logo, eu estava envolvido com outras aventuras. 
Passando a régua. Os Beatles não acabaram, para mim não, eu os carrego na mochila desde 1964. Da seleção brasileira do "Tri" acho que foi super legal eles terem vencido, mas depois percebi que por de trás daquilo tudo havia muita coisa das quais eu deveria ter me atentado. Aliás, atentado, era uma palavra proibidíssima em 1970.  Na verdade, ainda é. E da decepção ficou a lembrança de uma linda e singela bobagem de adolescente, bobagem que me serviu de lição. 
Fui, sou e serei mais feliz com a mulher com quem me casei oito anos depois de 1970. Essa sim não tira sarro de mim. Briga comigo às vezes, mas pra ela, eu sei que sou ainda o valentão do pedaço. Além do que, ela curte os Beatles e não está nem aí com a seleção, com a surra que levei, nem com Shakespeare e muito menos com Franco Zeffirelli.
Boa Páscoa, pessoal. 


29/03/2013

Sem cotas, sem esmolas, por gentileza.

EM TEMPOS DE FELICIANO, DE COTAS, DE BOLSAS E SEGREGAÇÕES DE TODA NATUREZA.
Duas da manhã e a família aguarda na sala de espera do hospital. 
O primeiro filho, o primeiro neto, o primeiro da nova geração está para chegar. Os exames foram feitos, a assistência foi plena durante a gestação e a futura mamãe sentia-se segura e feliz. Todos estavam felizes. 
Pais dos pais, o pai, os irmãos, as irmãs, tios e tias, sobrinhos e sobrinhas e ainda três dos amigos mais próximos, vinte e duas pessoas esperavam o nascimento do bebê. Os pais optaram por não saberem antecipadamente se viria um menino ou uma menina.
O médico chega à sala ainda com o avental verde-claro, toca sobre a cabeça e o tapa-nariz dependurado ao pescoço, atravessa a porta vai-e-vem um pouco pensativo. O silêncio se estabelece. 
__ Doutor, tudo bem? Adiantou-se o pai aflito. 
__ De certa forma, sim. A paciente está passando bem, graças a Deus, e descansa agora. Tivemos algumas complicações mas conseguimos superá-las. 
__ E a criança, doutor? Gritou uma tia lá do fundo.
__ A criança está bem, senhora, podemos dizer que também descansa. 
__ Podemos vê-la doutor? Quatro ou cinco perguntaram ao mesmo tempo. 
__ Daqui a pouco a enfermeira trará a… a criança até vocês. Tudo em ordem. Agora preciso ir, com licença, tenho outra parturiente me esperando. Boa sorte e… parabéns!  Virou-se e sumiu. 
O grupo não sabia se comemorava. Perceberam o médico um pouco estranho. Faltou um sorriso nos lábios dele. 
__ Que médico antipático… Resmungou  a tia rabugenta. 
Dez minutos depois chega a enfermeira com o bebê no colo, envolto e aquecido pelos cobertores. Mal se via o recém nascido. 
__ Vocês são os parentes? 
__ Sim. Adiantou-se a avó materna …deixa eu ver a minha neta, quero sentir as mãozinhas dela, sou louca por mãozinhas de bebês, sabia gente? Olhando pra todos.
Safou-se a enfermeira. 
__ Ah! Temos um pequeno problema, mas não se preocupem, nada de mais sério… bem… a criança está bem, mas, infelizmente ela nasceu sem as mãos. 
Susto geral. Ouviu-se: Meu Deus daqui e Minha Nossa dali.
 __ Tudo bem, hoje em dia as próteses estão avançadíssimas. Algumas até escrevem sozinhas. Disse alguém tentando amenizar a surpreendente notícia. 
__ Então… nos deixe ver os pezinhos. A avó paterna complementou.
__ Ah, lamento, senhora. Também, sem que saibamos o motivo, ela não tem  pés e… lamento informar… nem pernas. 
O pai jogou-se ao sofá e começou a chorar. Do criado falatório não se compreendeu nada. Os sobrinhos tentavam esconder o deboche, até que um dos tios soltou: 
__ Puta que o pariu, como assim, caralho?
__ Enfermeira, nos mostre o narizinho, a boquinha… as bochechinhas rosadas e gorduchinhas… Exigiu a tia austera na cadeira de rodas.
__ Não sei como explicar… Disse a enfermeira constrangida. 
__ O que é agora? O grupo interpelou. 
__ É que, na verdade… bem, na verdade… (silêncio) …a criança nasceu sem  cabeça. 
Durante uns quinze segundos não se ouviu um único ruído na sala. Todos permaneceram calados, de olhos arregalados, esperando explicações da enfermeira. 
__ Como assim, que catso é isso?  Interpelou o avô materno. 
A enfermeira sem saber o que dizer foi descobrindo a criança. As vinte e duas pessoas da sala a cercaram, curiosos. 
Ouviu-se um Oh!!! prolongado. Soou como um coral presbiteriano apresentando-se em noites de natal. 
__ Uma orelha? Minha filha é uma orelha! Mas que Linda orelha ela é!  Disse o pai engasgado, recebendo em seguida os cumprimentos de todos. O clima de alegria se estabeleceu. 
A enfermeira corrigiu: 
__ É lindo, pai, é um menino. Apontando para um prenúncio logo abaixo do corpo. 
O bebê nasceu gordo, pesando três quilos e meio e medindo quarenta e cinco centímetros. Aparentava boa saúde. Pele rosada e gorduchinha. 
__ Posso segurar ela, quero dizer, ele? A avó foi logo arrancando dos braços da enfermeira seu querido neto. 
__ Quem é o bonitinho da vovó?  Bilu… bilu… bilu… Olha… parece com o pai quanto nasceu. Lindinho da vovó
__ Desculpe, senhora. Fale um pouco mais alto, ele tem uma pequena deficiência auditiva. Quando crescer possivelmente vai precisar de aparelho.
O filho, o neto, o sobrinho, o primo, o lindo bebê foi recebido com todo carinho do mundo. Seria mais um na família e não contaria com privilégios e nem assistencialismos, esses disfarçam preconceitos. A família sabe bem disso. 

27/03/2013

Pau no prejudicado

Não leve a sério, é só um rápido de desabafo.
Ao invés de chutar as paredes de casa ou arrebentar a televisão com tijoladas, encontrei uma forma de expressar meus pensamentos sobre os legisladores brasileiros. A maioria deles, pelo menos. 
Há de se acreditar que um ou outro poderia escapar ileso a uma contaminação por bactérias letais, daquelas que arrebentam os intestinos e ânus, ou de viroses poderosíssimas que agem no início pelas vísceras para depois se alastrarem pelos poros, alcançando e derretendo os cérebros dos cafajestes, transformando-os em nanicos zumbis-nazistas de baixa auto-estima, ou de miras  certeiras vindas do espaço sideral lançadas por ETs de cabeças grandes em gigantescas naves prateadas oriundas de planetas distantes do universo, ou de raios mega-atômicos que detectam cães-do-inferno e os aniquilam instantaneamente, ou… 
Pronto, assim me acalmei e ninguém ouviu de mim um único palavrão. Agora sinto-me melhor podendo seguir para o trabalho mais tranquilo, rendendo-me ao pagamento das contas e impostos municipais, estaduais e federais, honestamente, mesmo podendo ser assaltado, sequestrado ou esfaqueado. Os tempos não estão nada fáceis.
Viva a democracia colonialista brasileira! Uns em cima e muitos em baixo e pau nos prejudicados.

Mundo pequeno esse, não acha?

Lendo esta história hoje pela manhã me surpreendi com o imponderável. Pode ser mentira, mas pode ser verdade. Ou se trata de uma bem bolada criação de publicidade ou, de fato, o impensável acontece.
O fato é que a reportagem me chamou a atenção e me fez lembrar de quantas vezes eu me surpreendi com situações que jamais pudesse acontecer. Inimagináveis, eu diria. Acho que todos nós temos histórias assim. 

A turista norte americana, Lindsay Scallan, em férias pelo Havaí em 2007, seis anos atrás, perdeu sua câmera fotográfica numa sessão de mergulho noturno. Ela deixou o equipamento escapar das mãos e ele se foi num mergulho mais profundo ainda para as profundezas do oceano Pacífico.
Perdeu a câmera à prova d'água e perdeu também, para sempre, as fotos armazenas no cartão de memória. 

Em fevereiro deste ano, um rapaz que é funcionário da empresa aérea China Air Lines, provavelmente em férias encontrou uma câmera fotográfica Canon PowerShot  numa praia taiwanesa, dez mil quilômetros de distância do Havaí. O equipamento bastante deteriorado  deixava sinais de que há muito devia estar mergulhado nas águas salgadas do mar. 

A história poderia terminar aí e eu jamais estaria aqui discursando sobre o assunto. Porém, o curioso chinês, abrindo o equipamento blindado, encontrou o cartão de memória e nele algumas fotos surpreendentemente intactas. O rapaz (cidadão com C maiúsculo), identificou o local onde elas foram feitas e não satisfeito fez contato com o jornal local relatando o fato. Em pouco tempo a história se espalhou. As redes sociais fizeram com que Lindsay, a turista americana, soubesse do caso e para sua surpresa, sua câmera com as antigas fotos foram encontradas. 

Parece uma história boba, mas pelo visto, não tão boba assim. Pense bem, se assistíssemos a um filme ou uma novela onde o escritor previsse uma situação desse tipo, diríamos de pronto que somente em filmes ou novelas acontecia isso.
Você e eu, de certo, perdemos alguma coisa ou deixa-mos de tê-la em algum momento da vida. Lamentamos e superamos o sentimento da perda e, com o tempo assimilamos e tocamos a vida. 

Algumas vezes o imponderável se mostra não é tão imponderável assim. Tudo é possível desde que a gente se despoje a aceitar com A maiúsculo, o que foi supostamente perdido e seguir em frente e compreende-lo se eventualmente o se julgava retornar sem se surpreender. Melhor seria dizer, talvez, que o "perdido" está temporariamente impossibilitado de contato. 

O mundo está cada vez mais pequeno. (além de digital)
Reprodução

26/03/2013

Códigos de Barras

O HD SUBSTITUIU OS NEURÔNIOS. 

Arquimedes teve uma ideia. A partir daquele dia ele faria um esforço descomunal para guardar na própria memória todos os telefones da agenda. Nomes, endereços, CEPs e telefones. Deixaria de lado o tablet, o computador e o celular. Afinal, antes desses existirem ele era muito bom de memória, sabia de cor e salteado todos os telefones, aniversários de parentes e amigos e até de pessoas ilustres.
Além dos telefones, guardaria também, a quantidade significativa de senhas dos cartões de crédito, códigos para acesso do caixa eletrônico, números do seu CPF e RG, Carteira de Habilitação, Título de Eleitor, Reservista de Primeira Categoria, PIS, número da Conta e Agência Bancária e tantos outros pelos quais a vida nos cerca. 
Arquimedes relacionou todos numa única folha. Não deixou nada de lado, nenhum numerozinho ou letrinhas que pudessem surpreende-lo amanhã ou depois. Estavam lá relacionados mais de dois mil códigos.
Depois de alguns meses no exercício de decoração, Arquimedes desistiu. Compreendeu que para guardar todas as informações que precisava para manter-se alinhado ao mundo moderno, ele teria mesmo que entrar em outra prestação, abrir outro carnê e comprar um novo tablet. Sua memória já não era a mesma depois da coronhada que levou quando foi vítima de sequestro relâmpago, onde levaram, além de todos os seus documentos, seu celular e seu tablet novinho.

25/03/2013

Luis Fernando Veríssimo

Faço questão de registrar aqui.

Cronista do cotidiano, romancista, dramaturgo, roteirista, músico, tradutor e cartunista.  O escritor gaúcho, Luis Fernando Veríssimo, brinca com as palavras como poucos. Mandou bem nessa que foi publicada no Estadão deste domingo, 24. Não me contive, repliquei no blog para o meu deleite e para quem não pôde conhece-lo, aqui transcrevo.
BABOSEIRAS
O motoboy entregou o pacote de cartas e disse: 

__ Ele falou que tinha resposta.
__ Espera - disse ela. E pôs-se a examinar as cartas. Procurava uma em especial, que não encontrou. Fez um sinal para o motoboy aguardar enquanto telefonava.
__ Alô
__ Amauri, cadê a carta do ursinho?
Era uma das primeiras cartas que ela tinha lhe mandado. Ainda eram namorados. Uma carta toda escrita como se fosse de uma criança para o seu ursinho de pelúcia.
__ Eu mandei. Não mandei?
__ Não. E se você não mandar a carta do ursinho eu não mando as suas.
__ Heleninha
__ Não tem "Heleninha", Amauri. Ou você manda todas as minhas cartas ou eu começo a mostrar as suas. Sou capaz até de publicá-las. Quero ver como fica a sua reputação no meio.
__ Eu pensei em guardar pelo menos uma carta sua, Heleninha.
__ Logo a mais ridícula? Devolve a minha carta, Amauri. Nosso trato foi esse.
Todas as cartas.
__ Deixa eu ficar só com esta. É a minha favorita.
__ Eu sei o que você está pensando, Amauri. Quer ficar com a carta para me chantagear depois.
__ Chantagear, Heleninha?!
__ Chantagear. Eu conheço você.
- Heleninha! Eu acho esta carta linda. Uma lembrança do tempo em que a gente se amava.
- Não banca o sentimental comigo, Amauri. Essa carta é só um exemplo das baboseiras que e gente diz e escreve quando acha que o amor nunca vai acabar. Mas o amor acaba e fica a baboseira. Me devolve essa carta, Amauri!
__ Heleninha, você lembra de como eu chamava você? Na cama?
__ Eu não quero ouvir!
__ Lembra? Está certo, era baboseira. Mas era bonito. Era carinhoso. Eu era o seu ursinho e você era a minha...
__ Amauri, manda essa carta ou eu publico as suas. Já sei exatamente para quem mandar a primeira.
__ Está bem, Heleninha. Manda o motoboy de volta. 
Zuneide pensou: não dá mais. Morar nesta cidade, não dá mais. Não vejo mais o Ique, não sei nada da vida dele. E todas as noites é este suplício, nunca sei se ele vai voltar pra casa ou não, se está vivo ou morto. Dizem que morre um motoboy por dia na cidade. Todos os dias uma mãe perde um filho nesta cidade. Se o Ique ainda fosse procurar outra coisa pra fazer. Mas não. Trata aquela moto como se fosse um bicho de estimação. À noite, a moto fica ao lado da cama dele. Dorme com ele. Vou tentar convencer o Ique a voltar para São Carlos. Respirar outros ares. Antes que ele morra e me deixe.
__ Não dá mais, doutor Amauri. Esta cidade está me deixando maluco. Sabe que no outro dia, quando me dei conta, estava correndo pela calçada e buzinando? A pé, na calçada, e buzinando para os outros pedestres saírem da frente. Bi, bi, bi. Olha que loucura.
__ Você acha que isso pode ter alguma coisa a ver com os problemas em casa. Com a Mercedes?
__ Não sei. Nosso amor acabou, doutor. Não tem mais sexo, não tem mais nada. Na outra noite eu chamei ela por um apelido que a gente usava quando era recém-casados, eu era Pimpão e ela era Pimpinha, e ela deu uma gargalhada. Não se lembrava mais. E ela também está enlouquecendo, doutor. Agora deu para dizer que se eu não comprar uma TV digital ela se mata. Vou dizer para ela vir consultar com o senhor tam...
Tocou o telefone e Amauri pediu licença para atender.
__ Alô? Sim, Helena. Não chegou? Eu mandei pelo motoboy perto do meio-dia. Mandei, Helena. Por que eu iria mentir? Deve ter acontecido alguma coisa com o motoboy. 
Só em casa, depois de deixar o Ique no hospital, Zuneide descobriu a carta no bolso do blusão do filho. Uma carta carinhosa, que começava assim: "Querido Ursinho". Ele tinha uma namorada e ela não sabia! O nome dela era Heleninha. Uma boa menina, ingênua, pura, que obviamente o amava muito, a julgar pela carta. Preciso encontrar um jeito de avisá-la de que o Ique teve um acidente, pensou Zuleide. Será uma maneira de conhecê-la, também. De conversarmos, de combinarmos a ida deles para São Carlos, para outros ares, depois do casamento. Zuneide leu e releu a carta várias vezes. Que coisa bonita. Que coisa carinhosa. No dia seguinte ela diria ao Ique que ainda não conhecia a Heleninha mas já gostava dela. 
__ Amauri, você pediu. Vou começar a distribuir as suas cartas.
__ Heleninha
__ Você mentiu. O tal motoboy não apareceu com a minha carta.
__ Heleninha
__ Prepare-se para o pior, Amauri.

24/03/2013

Coincidências

Elas existem ou alguma coisa não compreendida atua na vida da gente?

Acordei cedo lembrando da noite de sonhos que remeteram ao passado. Sonhos com pessoas falando o tempo todo. Amigos, parentes e desconhecidos ao meu redor pedindo atenção e em meio a tantas imagens e sons que se seguiam freneticamente sem ordem cronológica, uma em especial se destacou: uma passagem numa madrugada de agosto de 1978. Acordei lembrando dela.
Como de hábito, depois do primeiro café e do primeiro cigarro do dia, liguei o computador. Também de hábito, li algumas notícias muito rapidamente e depois cai no facebook. Gasto uns trinta minutos quase toda manhã rodando as publicações.
Uma postagem me causou estranheza e fazia somente umas três horas que havia sido publicada, bem enquanto eu dormia. Uma foto e com ela a pergunta: Romeu, lembra? (alguma coisa assim). Nela eu vi chocado o que restou do Teatro Manoel da Nóbrega, estúdio onde trabalhei nos primeiros anos da carreira e que foi destruido numa madrugada de sábado para o domingo, em uma noite não muito fria de inverno, lá em 1978. 
Senti um frio na barriga e a nítida sensação de ter alguém perto de mim, bem ao meu lado, sussurrando ao meu ouvido como que querendo ver a foto comigo.

A LEMBRANÇA FRAGMENTADA

No sábado, 19 de agosto de 1978, perto das onze e meia da noite eu estava em casa descansando depois de um dia intenso de trabalho. Minha mulher eu juntos estatelados no sofá assistindo TV. Havíamos casado fazia oito meses e ela estava grávida do meu primeiro filho. Nos demos conta que ouvíamos caminhões circulando pela avenida próxima, a Alfonso Bovero com as sirenes tocando muito alto. Muitos caminhões e isso chamou nossa atenção. Me lembro dela dizendo que provavelmente acontecia alguma ali por perto. 
O filme foi interrompido por um plantão, uma edição extraordinária, com o locutor dizendo: "Violento incêndio destrói neste momento o estúdio de Silvio Santos no bairro da Pompéia. Equipes do Corpo de Bombeiros tentam apagar as chamas que alcançam os apartamentos vizinhos…" Algo assim.
Controlada a sensação de desmaio, dez minutos depois eu estava lá, em meio aos curiosos, bem na esquina da Rua Cotoxó com a Avenida Alfonso Bovero. 

Ouvimos um forte estrondo que me pareceu ser do teto caindo e um tufão de fumaça preta saindo pelos ares.
Fiz que fiz até conseguir ultrapassar o cordão de isolamento chegando mais próximo do teatro que naquela época sentia ser meu, só meu e que o fogo criminoso roubava de mim. Tenho certeza que os amigos que, aos poucos foram chegando, sentiam a mesma coisa. Escondíamos uns dos outros nossas lágrimas. Tempos machões demais.
Três horas antes havíamos saído lá de dentro, alguns colegas e eu, bem naquela esquina onde tomamos umas cervejas no Bar do Toninho. E agora tudo perdido. Nosso teatro não existia mais.

Na postagem do facebook deixei a resposta ao amigo e corri para o acervo dos jornais para buscar informações sobre essa noite, fiquei em dúvida quanto a data e no da Folha de S.Paulo encontrei a reportagem publicada no dia 21, uma segunda feira daquele mês, daquele ano, dizendo: "até ontem a perícia não encontrou as causas do incêndio que destruiu os Estúdios da TV-S…"

Em 1978 não existia internet. Pelo horário da ocorrência, um final de sábado, 19 para o início do domingo, 20,  a notícia pode ser veiculada neste jornal, somente na edição de segunda feira. Hoje em dia, twitters divulgam ao mundo onde estamos e o que estamos fazendo em instantes. Naqueles tempos as coisas eram bem diferentes.

O sonho que me levou até 1978 se encontrou com a rede social em 2013 também em instantes. Coincidência ou não me deixaram perplexo, mas ao mesmo tempo feliz, pois percebi que ao longo da vida tive oportunidade de conviver com gente forte e com elas a chance de aprender a ser forte também. Coincidência?


Bom domingo, pessoal.

23/03/2013

Flagrantes da Realeza

Sugestivo o nome do ministério: da Pesca. Seria mais um Arranjograma?
Pescaria da boa essa, ainda mais agora que, segundo o bispo Crivela, os pobres estão doando mais. Eita! O colega de profissão de Pedro, disse que Lula e Dilma, com suas políticas públicas, fizeram com que os pobres pagassem menos juros. Menos juros, mais doações. Mais doações, mais igrejas em assembléias felizes. Só pode ser piada. Quem liga? Ninguém se importa, agora pode tudo, o sujeito fala uma coisa dessa, na maior cara de pau, e ninguém dá relevância.
O estado laico parece ser laico por conveniência. Fonte de dinheiro não contabilizada, grana limpa e lavada que cai do céu, sem que ninguém, num tribunal, sente na cadeira do réu. Plano do além, heim! Amém.
Esta terra não tem jeito mesmo, a malandragem está em tudo quanto é canto, com ou sem PA, PB, PC, PD, PE, PF, PG, PH, PI, PJ,  indo até o PZ. Seriam  todos do mesmo saco? Por mais que se apresentem diferentes, diante do dinheiro fácil, se rendem.
De O Estado de S.Paulo de 22/03/13, "pesquei" a matéria de Bruno Boghossian. Segue parte dela, pois inteira a ânsia de vômito seria incontrolável.
O ministro da Pesca, Marcelo Crivella (PRB), bispo licenciado da Igreja Universal, disse nesta sexta-feita, 22, a um grupo de cerca de 3 mil pastores evangélicos que eles deveriam "aplaudir" o governo da presidente Dilma Rousseff (PT), porque as políticas públicas voltadas para a população mais pobre permitiram uma arrecadação maior do dízimo - pagamento mensal feito por fiéis para sustentar as atividades das igrejas. "A nossa presidenta e o presidente Lula fizeram a gente crescer porque apoiaram os pobres. E o que nos sustenta são dízimos e ofertas de pessoas simples e humildes", disse Crivella durante um evento da Convenção Nacional das Assembléias de Deus - Ministério Madureira, em São Paulo. "Com a presidenta Dilma, os juros baixaram. Quem paga juros é pobre. Com menos juros, mais dízimo e mais oferta." 
Crivella, bispo licenciado, vai se catar. Pobres, despertem da hipnose, esqueçam as juras celestiais. Se sobrar dinheiro de juros, poupem, façam um pé-de-meia ou ajudem diretamente quem de fato necessite. Existindo deuses, duvido que eles mandariam mensageiros para cobrar pedágios, muito menos de pobres. Isso é coisa de zumbi-nazista nascido e criado em países do terceiro mundo. 

22/03/2013

Que bom, você chegou!

Bom dia, Sexta Feira!
Como vai você, minha querida, tudo bem? Espero que sim, pois gosto muito de você. Acho que todos nós te amamos. Noto isso nos rostos das pessoas.

Eu estou bem, um pouco cansado pela semana corrida, mas, bem. Como diria um amigo, rapadura é doce, mas não é mole.

Estamos  firmes e fortes, então, heim. Que legal, não é? Seja bem-vinda, minha cara. 

Você despertou feliz ontem à noite? Noite estrelada, não foi? E sua madrugada? Espero que tenha sido boa, assim você terá o dia melhor ainda. A minha foi gostosa, dormi como um anjo e acordei feliz sabendo que ia te encontrar pela manhã.
Falava de você ontem com sua irmã, a Quinta, ela estava bem também e mandou lembranças. Ela estava melhor que suas irmãs mais velhas, a Quarta e a Terça que estavam meio gripadas, choveu muito em São Paulo nesses dias e a temperatura caiu consideravelmente. Tive que buscar no guarda-roupa os meus velhos agasalhos. Que coisa, não é?
Disse para a Quinta, minha amada Sexta Feira, que eu estava com muita saudade de você e não via a hora de te reencontrar. 
Na verdade, estimada, faz uns quatro ou cinco dias que venho falando e pensando em você. Realmente estava muito curioso pra ter notícias suas, saber de você, e, confesso, bastante ansioso pela sua chegada. Ainda bem que você está aqui e dia de céu azul com o sol quentinho despontando lá no horizonte nos aguarda. Tenho certeza que você e eu vamos gostar. Eu estou adorando. Vamos curtir juntos esse novo dia. 
Ah, hoje é 22 de março, ok? Não se esqueça. Se alguém te perguntar, responda de pronto. É sempre bom ter o dia do mês na cabeça, pega mal vacilar, podem pensar que você é uma desligada e hoje em dia, como sabemos, o negócio é ser ligado, bem ligado, aliás. Tudo ao mesmo tempo e misturado. É assim mesmo, não fui eu que inventei isso, mas está cada vez mais misturado. KKK
Sexta, a Segunda  não estava nada bem, fiquei preocupado com ela. Achei ela um pouco triste, calada. O dia chuvoso deixou a Segunda melancólica e acinzentada, muito feia, mas, juntos reagimos, ela e eu encaramos o dia de mãos dadas. 
Combinamos nos encontrar novamente na semana que vem com a promessa dela de estar com a carinha mais feliz. Ela me prometeu isso de pés juntos. A Segunda não é tão ruim quanto dizem por ai. O pessoal fala muito, você sabe bem como são as coisas. A turma não perdoa. KKK
Bem, minha caríssima, Sexta, idolatradíssima, mais do que querida, vamos indo então? Temos muita coisa pra fazer hoje. A gente vai conversando, brincando e botando os assuntos em dia enquanto trabalhamos, assim o tempo será mais feliz pra todos nós. Tenho muito pra te contar, aconteceram coisas incríveis pelo mundo nesta semana. No Brasil, então, putz. Você vai morrer de rir. KKK
Adoro você, Sexta!

21/03/2013

Antenado

PALAVRINHA EM DESUSO.


Pesquei essa tira hoje cedo. É do Adão Iturrusgarai publicada na Folha de S Paulo. Representativa não acham? 
Mesmo que o cidadão se negue a manter-se antenado, coisa difícil, pois tudo vem de forma compulsória, ele acaba cedendo. Um celularzinho básico, ao menos, ele tem.

Para um sujeito como eu, que tem quase sessenta anos e que, claro, conheceu o mimeógrafo e o papel estêncil, custa pra se adaptar. 

Lá no meu primeiro emprego na Multividro - Indústria de Vidros e Cristais em 1968, quando eu tinha 14 anos, fui registrado em carteira "de menor" (existia isso na época), como auxiliar de escritório. Uma das tarefas que recebia do chefe João Forcinitti, era ir até a agência central dos Correios no centro da cidade, para levar uma máquina que franquiava cartas. Pagávamos um determinado valor (em cruzeiros) para que o agente franquiasse o valor na traquitana para que pudéssemos ao longo do mês selar cartas. 
O volume diário de correspondências produzidas para serem enviadas aos fornecedores, clientes e representantes pelo país era tão alto que se fôssemos colar selos em cada uma delas, não daríamos conta. 

Eu envelopava essas cartas e registrava na máquina o selo previamente pago e o serviço rendia muito mais. Tecnologia que me surpreendia. Junto com as calculadoras elétricas (não eletrônicas) cuidar da máquina de franquia era o meu maior orgulho. 

No final do dia, lá ia eu pra agência do Belém fazer o despacho de umas duzentas cartas. 

Hoje o email resolve tudo. O trabalho de uns vinte datilógrafos e de um auxiliar de escritório pode ser feito por um único estagiário.
Nem a Multividro existe mais. Quando passo por onde ficava o meu primeiro emprego vejo vários edifícios moderníssimos, torres gigantescas onde residem milhares de pessoas. Parecem monstros a me espreitar.

20/03/2013

Pedro, João e a fonte.

Um dia, caminhando pelo deserto, Pedro encontrou João. Este descansava no alto de uma duna observando pacientemente o horizonte que mais uma vez mostrava-se o mesmo, sem fim. A ele, Pedro dirigiu-se de súbito:
__ João, procuro por Lucas?
Surpreso com o desconhecido que de longe, fazia tempo, via se aproximar, Lucas fixou o olhar sobre o homem e por algum tempo permaneceu calado. Somente o som dos ventos e um estranho e descabido ruído de águas correntes revelavam o quanto ambos não sofriam de surdez. 
Então, Lucas, com a voz baixa e embargada pela areia que se acumulava na garganta, respondeu, intercalando à resposta, perguntas e afirmações.
__ Senhor, por que perguntas por Lucas? Sou eu João, filho de Ezequiel, filho de David, filho de Joé, filho de Jacó, filho Sabú, filho de mais alguém que não sei quem e nada sei sobre Lucas. Ele lhe deve, senhor? Caminho pelo deserto da vida, por essas areias escaldantes deste mundo sem fim, faz anos e como vê, apontando para o horizonte, nada muda por aqui. Não vi Lucas ou quem quer que seja passar por mim, momento algum
Franzindo a testa suada, Pedro serenamente respondeu:
__ João, na vida tudo é possível mudar-se, mas Lucas deve-me, sim. Deve-me sua palavra. 
__ A palavra, senhor? A minha palavra? Lucas lhe deve a minha palavra?
__ Não, João, não seja tolo, ouça-me, escuta-me e ouvirás o teu eu, Lucas deve-me a palavra dele.
__ Oh! Compreendo, senhor. Interpreto agora o sinal que me trazes, a luz que me alcança e que me orienta, mesmo aqui tão distante. Mas como vê, senhor, apontando novamente para o horizonte, em nada posso ajudá-lo, se me permite, preciso continuar meu caminho.
João levantou-se apoiando-se em seu bastão e sob o olhar de Pedro, foi-se, deixando-o às costas.
Já distante, Lucas, ainda perplexo, virou-se e notou que Pedro estava logo atrás. Incomodou-se, porém, prosseguiu calado o seu destino.
Por horas Pedro seguiu João em completo silêncio. João, virava-se e via o homem quieto, obstinado, passo a passo a lhe seguir.
No final no dia a sirene tocou e todos no pátio se recolheram calmamente, permanecendo apenas, Pedro e João que insistiam caminhar ao redor da fonte que movimentava águas cristalinas, constantes como num moto-continuo.
Dois assistentes trajando aventais brancos se aproximaram e com destreza profissional,  os convidaram ao refeitório, pois o jantar seria servido em instantes e hoje desfrutariam de um saborosíssimo arroz com feijão, dois pedaços de frango de panela e salada de alface com tomates frescos. A sobremesa eles receberiam caso fossem obedientes. E assim se deu, fartaram-se do alimento e mais à noite descansaram, pois o dia seguinte prometia outras longas caminhadas.
Li ontem uma matéria na Folha de São Paulo que dizia que o bispo RR Soares, para renovar seu contrato com a Band pela exibição diária em horário nobre, teria que pagar mensalmente 8 milhões de reais. Hoje ele paga 6 milhões. A mesma matéria dizia que seu concorrente no negócio da fé, um tal de Waldomiro, paga atualmente pelo arrendamento do Canal 21, do mesmo grupo, cerca de 20 milhões todo "santo" mês. Fiz as contas rapidamente e cheguei ao número de 336 milhões por ano que ambos deixarão nos cofres do grupo de comunicação. A dúvida veio: qual o melhor negócio, ter uma igreja ou uma rede de televisão? O fato é que ambos parecem ser bons negócios. E certamente quem paga a conta é o cara da fé. Vejo que realmente a fé move montanhas e nesse caso, montanhas de dinheiro. 

19/03/2013

A primeira impressão é a que fica.

 ERRADO, NÃO CONCORDO.
__ Olha, eu vou tirar. Quando eu tirar você abre, quando você abrir eu ponho de novo e quando eu pôr você fecha bem devagarinho. Ok? 
__ Tá bom. Então tira. 
__ Espera, eu te aviso… vai… agora! 
__ Abri. 
__ Isso, abre mais. Aí… agora eu ponho… Pus! Aguenta mais um pouco, isso assim… agora vai fechando… bem devagar, suavemente. Isso… devagarinho. Aí… boa, gostei. 
Fragmentado esse diálogo pode dar outra ideia. Na verdade foi somente parte de um todo. Trata-se de um trecho da comunicação entre um diretor de TV e um cameraman durante a gravação de um programa de TV, lá em 1981, o qual ouvi, achei interessante e guardei. Como operador de vídeo, pelo fone de ouvido, usávamos na época, acompanhava o diálogo entre a direção de imagem e os operadores de câmera.  
Traduzindo para melhor compreensão do amigo que desconhece a rotina da TV.  
A orientação do diretor de imagem foi para que assim que ele cortasse para outra câmera, o cameraman fizesse rapidamente um movimento de zoom, abrindo o enquadramento num plano geral e após esse movimento o diretor voltaria para sua câmera para que ele pudesse fazer o movimento contrário, bem lento até chegar num close-up do artista que se apresentava. 
Simples, não acha? Pois é. 
Há sempre a possibilidade da interpretação precipitada. Do que se vê ou do que se ouve, sem ponderação, a coisa pode ficar mal compreendida. Não se deixe levar pela primeira impressão. Certifique-se sempre.
Até hoje eu tento isso, vira e mexe eu caio nessa.

18/03/2013

O Pianista das calças curtas

Acho que foi numa tarde de outono ou de início de inverno do ano de 1963, me lembro ser um dia frio e meio nublado, minha mãe e eu saímos de casa em direção a uma escola de piano. Ela acreditava piamente que eu levava jeito pra coisa e de tanto que argumentou, convenceu meu pai para que pudesse me matricular num conservatório musical. Ela queria mesmo fazer do filho um artista. 

A escola mais próxima ficava na Vila Mariana e nós morávamos na época no bairro do Ipiranga. Muito longe de casa, portanto, foi descartada de pronto. Além da despesa com passagens de ônibus, ela teria que me levar e me esperar nas aulas todos os dias. Não dava mesmo e nessa escola nunca pisei. 

Fez que fez até que descobriu dona Maria de Lourdes, uma professora de piano particular que morava nas imediações. Não tão perto, mas dava para eu ir a pé. 

A memória pode estar falhando nessa altura do campeonato, mas acredito que a distância de casa até a professora era mais ou menos uns três quilômetros. Só sei que andamos muito até chegarmos lá. 
Subimos e descemos várias travessas por pelo menos meia hora e nos passos mais que acelerados da dona Angelina que a essa altura pra mim era a pessoa mais determinada do mundo. 
E eu nada convicto e com ares de menino castigado.  Procurava me conformar pois poderia ser pior, muito pior, aliás: já pensou se ela cismasse com harpa? Sorte a minha Chopin ter sido um pianista e pobre do meu irmão, pois ela deixou escapar que no ano seguinte iria ser a vez dele, direto para uma escola de violino. O desejo dela era ver os meninos de ouro brilhando nas orquestras sinfônicas pelo mundo.
Ao chegarmos no endereço que foi marcado num pedaço de papel, ela conferiu o número várias vezes até se certificar que o local era mesmo aquele. Bateu palmas diante do enorme portão verde que ficava ao lado esquerdo do muro pintado de branco, quando o cachorro latiu ferozmente nos assustando. Me lembro de ter dito alguma coisa no sentido de que deveríamos voltar em outro dia. O safanão e o cala boca veio rápido.
Pelas frestas do portão vimos se aproximar uma senhora usando óculos que não me pareceu nada simpática. Boa tarde daqui e dali, minha mãe se apresentou e em seguida disse: este é o meu filho e quero que ele seja um pianista clássico.
A senhora gorda abriu o portão e nos fez entrar, mas antes ela espantou o cachorro num único e seco comando que correu  obediente para os fundos, escondendo-se por de trás de um cercadinho e nós acompanhamos em silêncio dona Maria de Lourdes até a entrada da residência.
Atravessamos uma sala um pouco escura até chegarmos a uma outra menor onde ficava um antigo e conservadíssimo piano. Logo acima da tampa que protegia o teclado eu li: Brasil. Nunca havia estado tão perto de um piano. Sinto o cheiro dele ainda, madeira nobre envernizada. 

__ Você tem certeza que quer se tornar um músico, menino? Espera ser mesmo um pianista? 

Pela voz estridente postada a minha resposta óbvia seria um não do tamanho da bunda dela. Porém, mais óbvio ainda, com minha mãe por perto, a resposta foi um mal ouvido, sim. E com o pigarro discreto dela que só eu reconhecia, reforcei a afirmação: 

__ O melhor de todos, dona Maria de Lourdes. 

No pensamento, uma lança guerreira atravessou a velha filha de uma puta. 

Duro não foi suportar a sisuda dona Maria de Lourdes, difícil mesmo foram os três primeiros meses de teoria e solfejo.

Um, dois, três, quatro. Um, dois, três, quatro. Um, dois. Um dois, três, quatro. Sempre com a mão direita marcando o compasso fazendo o desenho da cruz como no Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, enquanto solfejava o um, dois, três, quatro e a mão esquerda apoiada firme sobre o joelho. 

Aprendi sobre o pentagrama e onde se posicionavam as sete notas musicais, eu até que gostava de riscá-las no caderno pautado. Eram precedidas da clave de Sol, uma espécie de S ao contrário em letra corrida, ou a clave de Fá que me lembrava mais um ponto de interrogação sem o pingo em baixo dele. As semi-notas, os sustenidos e os bemóis. Compassos binários, terciários e tantas outras formas que nem lembro direito.  
Ela obrigava eu fazer provas escritas e orais à cada quinze dias e minha mãe tinha que assinar as provas e ai de mim se aparecesse com notas baixas. A coisa não ficaria somente no pigarro.
Surpresa mesmo foi quando conheci a filha mais nova de dona Maria de Lourdes. Garota que virou a cabeça do moleque. Geralmente ela não ficava em casa durante as minhas aulas que eram de segundas feiras, quartas e sextas. Mas por alguma razão, numa daquelas tardes a menina não foi à escola e por lá perambulou. 
Ela devia ter uns dez ou onze anos, acho que era um pouco mais velha que eu. Bem magrinha e um pouco mais baixa, a ponto de eu, perto dela, me sentir um gigante. 
Meu coração disparou logo quando a vi e a partir daquele dia decidi ser mais que um mero pianista clássico, seria o melhor de todos de todos os tempos. Chopin seria um polonês fracote comparado a mim. Ao invés de um Noturno eu escreveria para ela um Diurno e Rita de Cássia, a linda filha da megera professora seria a primeira a se render ao talento extraordinário de Roman. (Esse seria o meu nome artístico)
Durante um ano e meio a vi meia dúzia de vezes no máximo, mas cada vez que cruzávamos os olhares e os consequentes sorrisos eu me certificava que estava mais enfeitiçado que o Romeu pela Julieta Capuletto. 
Um dos encontros foi numa festa de aniversário de um amigo em comum. Não acreditei quando a vi chegando com os cabelos presos por um laço grande e com uma saia xadrez. Me senti um cara bobo babando baba. 
Contra meu gosto minha mãe me obrigou a ir pra essa festa com calça curta. Me lembro da cor dessa maldita calça, marrom clara. Na época era comum crianças vestirem-se de calças sociais até os joelhos, mas eu queria mesmo era me mostrar como um adulto, ainda mais depois que Rita de Cássia apareceu por lá.
Esse foi um dia do qual jamais esquecerei. Conversamos e brincamos muito, toda a garotada brincou, mas somente eu ou talvez ela estávamos com os corações apaixonados. A festa foi boa.
Tempos depois nos mudamos do Ipiranga e fomos parar num bairro mais distante ainda, chamado Vila Nossa Senhora das Mercês. A nova casa ficava numa rua sem saída, de terra e terminava num matagal. Moramos nela durante quase um ano somente. 
Mesmo assim minha mãe não havia desistido da ideia de me fazer ser um pianista e conseguiu outra escola naquele bairro. A professora era uma senhora que falava tão baixo que mal podia ouvi-la. Ela era legal, divertida, pena não me lembrar do seu nome. 
Na nova casa e na nova escola fiquei somente um ano. Nos mudamos novamente e na terceira tentativa, fiz que fiz que dissuadi minha mãe de querer me fazer um pianista. Nessa época eu olhava com bons olhos para as guitarras elétricas.
Prometi a ela que estudaria muito e quem sabe eu seria um médico ou um engenheiro. Acho que ela compreendeu meu desespero.
Com essa me livrei do piano e meu irmão, de sopa, nunca chegou perto de um violino.
Hoje eu penso que poderia ter dado mais atenção ao que minha mãe queria. Ter percebido,  usado mais a sensibilidade pra enxergar o esforço que ela fazia pra ter um filho músico de verdade. Afinal, eu adoro música e até que toco um violãozinho mais ou menos. Quem sabe eu teria sido um bom pianista. A gente erra muito na puta da vida. Só depois, bem depois que a gente começa a aprender.
Mãe, desculpa ai! Valeu, beijos.