30/11/2012

A fé e o rancor.

Acompanhar os noticiários está cada vez mais difícil. Mesmo considerando a hipótese de uma imprensa comprometida, não dá para negar ou supor que ao menos, uma parcela do que divulgam seja verdade. Lembro sempre dos antigos dizendo - onde há fumaça há fogo.  Divido por dois, desconto dez e tiro mais cinco em tudo que leio. Me esforço, tento perceber o interesse de quem está divulgando a notícia. Juro mesmo.  
Desde que me conheço por gente ouço falar de corrupção. Me parece um câncer e na máquina do estado ele está impregnado desde à época das capitanias hereditárias.  
Uma máquina altamente burocrática, autárquica, gabinetosa, estruturada num universo sem fim de agências reguladoras, sub agências, secretarias de primeiro a oitavo escalões. 
Mesmo descontando-se eventuais interesses dos órgãos de comunicação, sabemos que isso é provável, pois também fazem parte de um sistema vulnerável à malevolência, a quantidade de escândalos que aparecem a cada dia nos levam a crer que alguma coisa não vai bem no reino da Babilônia. Dos mais mesquinhos, dos mais criativos, supra partidários, crescendo potencialmente como tumor malígno atacando do calcanhar até o último fio de cabelo desta sociedade devastando a sua sensatez. 
Fico perplexo. Me surpreendo com pessoas aparentemente inteligentes idolatrando esse ou aquele sujeito ou agremiação ou denegrindo isso ou aquilo por puro valor corporativo. A mim sem lógica alguma.
Me remete ao pensamento da fé. Seria isso? Fé em Deus é a mesma coisa que  a fé de quem faz parte de uma torcida organizada pelo amor ao seu time? Crer por crer? Ou esta segunda fica mais próxima do rancor ou da frustração? 
Rosemary, até você?

29/11/2012

Lamento a partida de Joelmir.

Folha de SP - Jornal da Band
Lamento a passagem do jornalista, Joelmir Betting, 75 anos, ocorrida nesta madrugada, às 0h55. Internado no Hospital Albert Einstein desde o dia 22 de outubro, após ter sofrido um AVC. Duvido que não houvesse um que não estivesse torcendo pela sua recuperação. O sujeito era mais que admirado. Era muito querido.
Tive a oportunidade e posso dizer, a honra, de conhece-lo no trabalho durante seis anos na Band. Nos poucos contatos que tivemos na redação ou pelos corredores da emissora, sua presença, me inspirava. A mesa de trabalho próximo à entrada de quem vinha do estúdio 3, vivia repleta de pedaços de papeis com rascunhos de anotações. Entre cinco da tarde até umas seis e meia, por aí, ele redigia seus comentários para o Jornal da Band com a ajuda de uma senhora, acho que era a secretaria e que me parecia ter a tarefa de juntar os cacos para a compilação. O humor sereno dos textos de Joelmir, dava o tom preciso que somente ele sabia fazer. Sem dúvida era a sua marca. Sujeito educadíssimo, claro e, palmeirense, elegantemente dos roxos, para a minha satisfação.
Nos cumprimentávamos e trocávamos breves palavras pelos corredores da rádio e da tv. Confesso que lá, escondido bem dentro de mim, eu ficava todo orgulhoso.
Transcrevo abaixo uma carta lida pelo seu filho, o jornalista, Mauro Betting, exatamente quando  recebia a notícia da partida do pai. Ele apresentava um programa na Rádio Bandeirantes.
Mauro Betting enquanto lia carta ao pai - ao vivo
"Nunca falei com meu pai a respeito depois que o Palmeiras foi rebaixado. Sei que ele soube. Ou imaginou. Só sei que no primeiro domingo depois da queda para a Segunda pela segunda vez, seu Joelmir teve um derrame antes de ver a primeira partida depois do rebaixamento. Ele passou pela tomografia logo pela manhã. Em minutos o médico (corintianíssimo) disse que outro gigante não conseguiria se reerguer mais.
No dia do retorno à segundona dos infernos meu pai começou a ir para o céu. As chances de recuperação de uma doença autoimune já não eram boas. Ficaram quase impossíveis com o que sangrou o cérebro privilegiado. Irrigado e arejado como poucos dos muitos que o conhecem e o reconhecem. Amado e querido pelos não poucos que tiveram o privilégio de conhecê-lo.

Meu pai.

O melhor pai que um jornalista pode ser. O melhor jornalista que um filho pode ter como pai.

Preciso dizer algo mais para o melhor Babbo do mundo que virou o melhor Nonno do Universo?

Preciso. Mas não sei. Normalmente ele sabia tudo. Quando não sabia, inventava com a mesma categoria com que falava sobre o que sabia. Todo pai é assim para o filho. Mas um filho de jornalista que também é jornalista fica ainda mais órfão. Nunca vi meu pai como um super-herói. Apenas como um humano super. Só que jamais imaginei que ele pudesse ficar doente e fraco de carne. Nunca admiti que nós pudéssemos perder quem só nos fez ganhar.

Por isso sempre acreditei no meu pai e no time dele. O nosso.

Ele me ensinou tantas coisas que eu não sei. Uma que ficou é que nem todas as palavras precisam ser ditas. Devem ser apenas pensadas. Quem fala o que pensa não pensa no que fala. Quem sente o que fala nem precisa dizer.

Mas hoje eu preciso agradecer pelos meus 46 anos. Pelos 49 de amor da minha mãe. Pelos 75 dele.

Mais que tudo, pelo carinho das pessoas que o conhecem – logo gostam dele. Especialmente pelas pessoas que não o conhecem – e algumas choraram como se fosse um velho amigo.

Uma coisa aprendi com você, Babbo. Antes de ser um grande jornalista é preciso ser uma grande pessoa. Com ele aprendi que não tenho de trabalhar para ser um grande profissional. Preciso tentar ser uma grande pessoa. Como você fez as duas coisas.

Desculpem, mas não vou chorar. Choro por tudo. Por isso choro sempre pela família, Palmeiras, amores, dores, cores, canções.

Mas não vou chorar por algo mais que tudo que existe no meu mundo que são meus pais. Meus pais (que também deveriam se chamar minhas mães) sempre foram presentes. Um regalo divino. Meu pai nunca me faltou mesmo ausente de tanto que trabalhou. Ele nunca me falta por que teve a mulher maravilhosa que é dona Lucila. Segundo seu Joelmir, a segunda maior coisa da vida dele. Que a primeira sempre foi o amor que ele sentiu por ela desde 1960. Quando se conheceram na rádio 9 de julho. Onde fizeram família. Meu irmão e eu. Filhos do rádio.

Filhos de um jornalista econômico pioneiro e respeitado, de um âncora de TV reconhecido e inovador, de um mestre de comunicação brilhante e trabalhador.

Meu pai.

Eu sempre soube que jamais seria no ofício algo nem perto do que ele foi. Por que raros foram tão bons na área dele. Raríssimos foram tão bons pais como ele. Rarésimos foram tão bons maridos. Rarissíssimos foram tão boas pessoas. E não existe outra palavra inventada para falar quão raro e caro palmeirense ele foi.

(Mas sempre é bom lembrar que palmeirenses não se comparam. Não são mais. Não são menos. São Palmeiras. Basta).

Como ele um dia disse no anúncio da nova arena, em 2007, como esteve escrito no vestiário do Palmeiras no Palestra, de 2008 até a reforma: “Explicar a emoção de ser palmeirense, a um palmeirense, é totalmente desnecessário. E a quem não é palmeirense… É simplesmente impossível!”.

A ausência dele não tem nome. Mas a presença dele ilumina de um modo que eu jamais vou saber descrever. Como jamais saberei escrever o que ele é. Como todo pai de toda pessoa. Mais ainda quando é um pai que sabia em 40 segundos descrever o que era o Brasil. E quase sempre conseguia. Não vou ficar mais 40 frases tentando descrever o que pude sentir por 46 anos.

Explicar quem é Joelmir Beting é desnecessário. Explicar o que é meu pai não estar mais neste mundo é impossível.

Nonno, obrigado por amar a Nonna. Nonna, obrigado por amar o Nonno.

Os filhos desse amor jamais serão órfãos.

Como oficialmente eu soube agora, 1h15 desta quinta-feira, 29 de novembro. 32 anos e uma semana depois da morte de meu Nonno, pai da minha guerreira Lucila.

Joelmir José Beting foi encontrar o Pai da Bola Waldemar Fiume nesta quinta-feira, 0h55."
 

25/11/2012

A Revelação - Comédia em um único ato.

A cidade era pequena, não me lembro o nome dela e nem mesmo o ano do ocorrido, mas não é de muito. Só sei que aconteceu, pois quem me contou jurou de pés juntos tratar-se de fatos reais, bem verdadeiros, ela é muito amiga de uma das envolvidas na história.
As coisas não iam bem no casamento de Vilma e Antonio. Depois de nove anos de matrimônio, sem brigas, sem nada, tempos depois eles mal se falavam. Se toleravam apenas, trocavam poucas palavras entre si e menos ainda manifestavam qualquer tipo de afeição mútua, ao menos quando estavam sós. Se rendiam somente aos impulsos carnais, aqueles inevitáveis de tempo em tempo. Afinal a carne é fraca, como ponderou a amiga relatora.
Eles não compreendiam o que sentiam, se ambos foram feitos um para o outro, como aprenderam desde os tempos de criança, porque então, chegaram a este ponto? Aturdidos, questionavam-se. Sentiam saudades da época da infância e da adolescência. De quando felizes brincavam de médico e matavam aulas, sem que as mães soubessem, para se distraírem no esconde esconde no fundo de suas casas. Tudo era natural, muito gostoso.
Vilma durante o dia ocupava-se com os afazeres do lar e Antonio, prodigioso comerciante, mantinha a loja de calçados, a única da cidade, sempre pronta para as liquidações e últimos lançamentos.
Ela completou 27 anos em janeiro daquele ano e ele, 28 em fevereiro. Nos dias 31 e 1 de cada um daqueles meses. Não comemoram os aniversários, pois a avó dele, a quem ele dedicava muito apresso e que a tempos vinha cambaleando na doença, faleceu e foi enterrada, exatamente por esses dias.
À distância tratava-se de um casal normal levando a vida honestamente. Realmente pareciam ter nascidos um para o outro. Cresceram juntos, foram vizinhos de rua e de muro desde os primeiros engatinhamentos. Estudaram na mesma escola, tiveram as mesmas professoras. Fizeram a primeira comunhão no mesmo dia, na mesma igreja e com o mesmo padre, que também os  batizara anos antes. A mãe dela era madrinha dele e a dele, madrinha dela. Ambos eram órfãos de pai, portanto, num arranjo do padre, tiveram um mesmo padrinho na cerimônia e ao longo da vida, no afeto - seu Francisco, o viuvo, o dono da farmácia e pessoa muito respeitada na cidade.
Em nove anos de casamento não chegaram os filhos, um sequer e pelo jeito nunca os teriam. O que se comentava é que ela era infértil, oca, incapaz de gerar sua própria prole e ele teria que aceitar a situação como estabelecera a graça divina. Adoção em hipótese alguma. O padre não aconselhava, as mães não admitiam sangue diferente na família e nem mesmo crianças para serem adotadas na região existiam.
A vida seguia dia após dia, sem nada de novo para contar. Até mesmo as megeras, as fofoqueiras, as beatas, solteironas e recalcadas que em todo lugar existe, como também os velhos aposentados com suas barrigas enormes que servem de  apoio às mesas de dominó, lá, pouco tinham a observar.
O prefeito mal parava na cidade, dava mais conta de sua fazenda, a maior da região do que ao seu gabinete, reformado depois da eleição e da mesma forma a câmara de vereadores. As reuniões das quartas à noite mal aconteciam.
Aos domingos pela manhã a missa era regra e os passeios à tarde pela praça da matriz, ao som do estridente alto falante que tocava músicas da jovem guarda, era a principal diversão da população.
À noite as ruas ficavam vazias, todos se recolhiam, não se via viva alma perambulando por elas, nem cachorros e nem gatos, pois a semana chegaria logo mais e todos precisariam estar dispostos para ela com a graça de Deus Divino e de Nossa Senhora do Bom Parto. Pelas janelas viam-se as luzes azuladas das televisões ligadas. A música do Fantástico servia de trilha sonora nos finais dos domingos naquela pequena e pacata cidade que ainda não me recordo o nome.
Não teria outro motivo para eu estar aqui contando essa história não fosse o fato de numa quinta feira à noite, segundo a pessoa que me relatou, por volta das nove e quinze, mais ou menos, quando as pessoas preparavam-se ao recolhimento, três tiros se ouviram. Três estampidos agudos, longos e estridentes que provavelmente vieram de uma espingarda de calibre grosso, quebrando o silêncio e provocando um enorme susto na população.
Em pouco tempo uma das duas casas geminadas que ficavam na Rua Dr José Lourenço, dois quarteirões abaixo da Igreja, estava lotada de gente curiosa, dificultando o trabalho da polícia no local.
Lá moravam Vilma e Antonio e lá foram encontrados os corpos com as cabeças esbugalhadas, envoltas em grandes poças de sangue de dona Margarida, dona Maria de Lourdes e de seu Francisco, o farmacêutico conhecido como homem sério. Na ordem do relato, lá estavam: a mãe de Vilma, a mãe de Antonio e o pai dos dois.
O casal desapareceu sem deixar pistas e nunca mais eles foram vistos pelas cercanias. Soube-se pelo vizinho, um padeiro que morava bem em frente ao local do sinistro, que ele, Antonio, fugiu pela direção norte e ela, Vilma, em passos decididos, pegou o caminho oposto. Disse ainda que os viu numa despedida fraterna, num abraço apertado, com beijos acariciados pelos rostos e desejos de um a outro de boa sorte e de felicidades.
Sobre a mesa da cozinha foi encontrada uma carta escrita com letras nervosas de Antonio e assinada por ambos, revelando a descoberta fulgaz e a indignação que os acometera.
Mais abaixo, com as letrinhas de Vilma, leu-se um singelo: hipócritas.

24/11/2012

Minha homenagem

Dentro deste corpo pequeno tem uma alma gigante, ativa e determinante, que grita em silêncio e cala a minha paz. É ela quem me inspira. Gostaria eu de tocá-la.
Por debaixo da estrutura magnifica, harmoniosamente construída num lapso da natureza, tem um espírito que me seduz. Gostaria eu de afagá-lo.
Atrás desses cabelos lisos que se perdem na forma quando os ventos fortes os encontram, atrás desses lábios pontiagudos que me procuram na quietude, atrás do olhar penetrante, que são as janelas do seu interior, tens a energia que me traga, que me devora. Acalentá-los todos, eu gostaria.
Me envolvem os teus braços, cercando-me as entranhas, deixando-me doente, carente, latente, com marcas pelo corpo de sangue sugado. Do nada você apareceu, me dei conta de tua presença somente depois, bem depois. Muito tempo depois. Nossos corpos se encontraram numa luta sem suor. Senti calor e senti dor.
Encontrei, então, você,  com as unhas embrenhadas, todas em mim, me desejando mais do que eu a você. Foi assim que pensei em ti.

Domingo passado em Piracaia resolvi entrar no mato. Sair do urbano e me embrenhar pela natureza pura e curtir um relaxamento. Daqueles que a gente quer estar sozinho com nossos pensamentos. Apreciei o som das águas do rio que passava por ali, batendo nas pedras criando músicas agradáveis aos meus ouvidos. As águas vindas não sei de onde seguiam seu caminho fazendo desenhos curiosos nas margens estreitas do pequeno riacho. Os peixinhos se exibiam para mim. Ouvi os passarinhos cantando, notei o verde musgo das folhagens, me ative a algumas admirando suas formas. Até fotografei uma ou outra.
Sentei-me sobre um tronco de árvore caído ao chão, olhei para os lados com toda a calma que abatera em minha alma. Senti o sabor do oxigênio entrando pela minha boca, buscando meus pulmões.
O homem precisa voltar-se à sua vocação. A composição química do cimento e as formas simétricas das estruturas urbanas, com o tempo, inibem a liberdade que precisamos ter.
Foram momentos de intenso prazer. Me recompus.
No dia seguinte, somente na segunda feira é que me dei conta do sinistro, quando percebi que me coçava nervosamente. Pelo corpo vi várias marquinhas  roxas, resultado de um ataque de um ou mais nojentos carrapatos. Daqueles encontrados nos matos, mais ainda em dias quentes precedidos de chuvas, e que fizeram a festa em mim. Sugaram o meu sangue como sedentos vampiros insaciáveis. Achei dois deles pela perefiferia do corpo. Contei as manchas inflamadas, avermelhadas, todas doloridas que irritantemente não paravam de coçar. Somaram, vinte e sete.
Me lembrei do pernilongo de Carlos Drummond de Andrade e inspirado nele, escrevi minha homenagem ao tão inescrupuloso ácaro que me assolou.
Carrapato filho da puta.

20/11/2012

As coisas mudam e a gente nem se dá conta

A esposa optou por fazer o velório do marido em casa, à moda antiga, com o caixão ao centro da sala principal, local amplo e arejado e com muitas janelas que poderiam permanecer abertas durante a madrugada, naquela que seria a residência mais bonita do bairro.
Antenor de Macedo de 52 anos, sofreu um ataque cardíaco fulminante quando assistia o jogo pela TV. Seu clube do coração amargava ao final do segundo tempo, uma derrota de cinco a zero para o time considerado o azarão do campeonato. Foi muito para ele. O Prudentino era a sua paixão.
Doutor Demerval foi localizado às pressas, mas quando chegou, vinte minutos após o chamado, nada pode fazer. Encontrou o amigo de infância estatelado no sofá e já sem respiração, restando-lhe fazer o atestado de óbito e dar pêsames a esposa do amigo, dona Berenice.
Após ligar para o médico, ela pediu aos filhos, Carlos e Maria Rita para que viessem o quanto antes, pois o pai não passava nada bem. Preferiu não dar a notícia da provável morte do pai pelo telefone e em pouquíssimo tempo e acompanhados de seus cônjuges e filhos, um de cada casal, todos chegaram aflitos.
Primeiro Carlos, o mais velho e em seguida, Maria Rita, aos prantos dizendo ter pressentido que alguma coisa ruim tinha acontecido. Chorava copiosamente nos braços da mãe, recebendo consolos afáveis do marido. Os netos, um de dois anos e o outro de nove meses, foram colocados no quarto dos avós para dormirem.
Os parentes, tanto de um lado como do outro, não moravam tão próximos. Eram na região de Presidente Prudente, interior de São Paulo. Trinta anos atrás os jovens, muito apaixonados um pelo outro desde os tempos de escola, mesmo ele sendo dez anos mais velho que ela, mudaram-se para a capital com intuito do marido montar o seu próprio negócio. Somente um primo dele morador da Vila Esperança e que de tempos em tempos visitava a família, pode estar presente. Os demais souberam do falecimento somente no dia seguinte, logo pela manhã quando Carlos os comunicou e pela distância, os pêsames foram deixados, com tristeza, pelo telefone.
Em menos de uma hora os vizinhos e amigos souberam do ocorrido. A notícia da morte súbita de Seu Antenor percorreu rapidamente o bairro e aos poucos foram eles foram chegando e se acomodando pelo ambiente.
O caixão e a primeira coroa de flores foram providenciados pelo primo que gozava de influência com o pessoal da regional e chegaram por volta da uma e meia da manhã. Somente aí é que o corpo pode ser acomodado e devidamente ornamentado no derradeiro leito. As velas foram acesas dando ao velório a devida forma.
A despedida ao Seu Antenor seguiu pela madrugada toda. Pessoas entravam e saiam a todo momento, Faziam questão de se despedir do vizinho tão prestativo, tão atencioso e porque não, servir às condolências a viuva, dona Berenice.
O enterro foi marcado para às dez da manhã no cemitério da Penha que ficava a duas quadras dali.
Berenice, após o susto inicial, manteve-se serena durante o velório do amado esposo. Agradeceu os cumprimentos com a educação que lhe era peculiar. Ouviu os comentários benevolentes a respeito do marido com muita parcimônia, deixando um leve sorriso nos lábios como forma de agradecimento. Atendeu um ou outro telefonema de amigos perplexos com a morte de Antenor e se dispôs elegantemente ao assento preferido de sua cala. Não arredou os pés nenhum minuto da presença do companheiro.
Se contados, os visitantes passariam de quinhentos. Muitos eram os conhecidos de Antenor. Ele era uma pessoa admirável, bondosa, cheia de atributos, sempre disponível para ajudar quem precisasse. E tudo foi lembrado e dito em voz alta diante de seu corpo para que os presentes soubessem da amizade que cada um deles tinha com o morto.
Berenice, ajudada pela filha vestiu-se com um traje preto apropriado para o momento. Um vestido de tecido leve, com rendas discretas na altura dos ombros. Este lhe caia tão perfeitamente bem ao corpo, notadamente esguio de uma falsa magra. Os cabelos, secretamente mantidos negros, lisos e muito brilhantes, foram presos a um laço da mesma cor com detalhes de pérola. A maquiagem e as unhas foram refeitas rapidamente. A combinação no conjunto não poderia ter ficado melhor e contribuiu ainda mais para o rejuvenecimento de Berenice. Ninguém dizia que aquela senhora completara 44 anos na semana anterior. Sua aparência, seu charme e elegância, somados à simpatia reluzente, diziam tratar-se de uma mulher com menos idade, naturalmente para o desconforto e comentários das mulheres do bairro.
O sepultamento se deu no horário marcado e transcorreu sob chuva forte, choros e lamentações. Sem considerar o relativo tumulto que se estabeleceu na capelinha do cemitério, momentos antes do fechamento definitivo da urna.
Passado um ano do triste episódio a vida tomou rumo, tudo e todos adaptando-se aos novos tempos. Filhos e netos, levando suas vidas normalmente. Vizinhos, vizinhas e amigos com os mexericos. A confecção de Antenor foi vendida a pedido dos herdeiros - as duas fábricas e as cinco lojas da região do Brás. Os bens da família, os imóveis, os carros da coleção do patriarca a lancha estacionada em Ubatuba, tudo Berenice de Macedo passou para frente e dividiu com os filhos a pequena fortuna. Ela agora mais aprumada mudou-se para a Holanda e lá se casou com um rico empresário do ramo de telefonia que conhecera na Bahia no carnaval do ano passado, tornando-se então a senhora, Berenice von Kenkrausberg e para o Brasil nunca mais voltou.

Imagem Google

19/11/2012

Navegando pelos mares de Navegantes

Baseado em fatos reais. 
Fazia pelo menos umas cinquenta horas que eu estava perdido, não tinha mais noção do tempo. Nadava sem direção definida guiado somente pela intuição e pelo desejo incontrolável de sobreviver. Dava braçadas lentas, pois as forças se esvaíam a cada segundo, elas minguanvam descaradamente e absolutamente fora do meu controle. A cada dez braçadas no máximo eu relaxava os músculos e descansava, apoiando-me num pedaço do que teria sido um desconfortável assento de classe econômica de um Fokker 100.
A noite agora estava limpa, devia ser umas sete ou oito horas, no máximo. Meu relógio a prova d'água mostrou-se ineficiente e se me livra-se daquele infortúnio, iria no dia seguinte reclamar ao vendedor. Somente a luz densa e prateada da lua cheia me fazia companhia. Ela refletia sua magnitude silenciosa nas águas relativamente calmas e orientavam o meu caminho num verdadeiro sendero luminoso e de certa forma, preenchia-me com algum conforto. Não sentia frio e nem calor, a explosão de adrenalina de a pouco equilibraram a temperatura do meu corpo, dando a ele a suave sensação de um banho em águas mornas em uma banheira de um hotel cinco estrelas. O céu, num azul profundo, mantinha centenas de milhares de milhões de pequenos pontos brilhantes em toda sua extensão. Não me lembrava de ter visto tantas estrelas juntas no firmamento em toda a minha vida e a luz, ao encontro da linha do horizonte, delineava um enorme contorno ligeiramente cintilante e curvo, dando-me a noção exata de quão longe me encontrava da terra firme. Meus pés imploravam apoio, assim como a minha alma.
Foi tudo tão de repetente que mal pude compreender o que havia acontecido. Sentia-me atordoado, provavelmente em decorrência da pancada que levei na cabeça. Ouvi um zunido e voei. Lembrei-me antes dos momentos finais, do sinal sonoro, desesperado, orientando-nos ao aperto dos cintos, mais ainda do que já estavam. O sinal de don't smoke também piscou. Lembrei-me da voz do comandante, nervosamente calma, dando instruções truncadas sobre posicionamentos de emergência aos quais deveríamos tomar. Vinham-me os gritos dos poucos passageiros, quinze no máximo, que faziam o mesmo voo que eu, naquele tubo claustrofóbico, metálico e revestido internamente em material sintético acinzentado. Me recordava de um grande estrondo. Um barulho infernal nunca ouvido antes. Tudo soava à mente sem uma ordem inteligível.
A aeronave que havia decolado do aeroporto de Navegantes em Santa Catarina com destino a São Paulo, naquele fatídico final de tarde de uma sexta feira da primeira semana de outubro de 1999, sob forte chuva e ventos ameaçadores, oriundos não sei de onde, após quinze minutos no ar, tomou rumo alternativo, fugindo das turbulências que provocavam quedas súbitas no voo e impediam o início dos serviços de bordo, para então seguir em direção ao mar, rastreando as nuvens negras. Nem o uisquinho pude saborear. A decisão foi anunciada pelo comandante Aelson ao lado de seu co-piloto, Danilo. A chefe das comissárias disse pelo microfone para que nos mantivéssemos calmos, pois o desvio de rota seria conveniente e tratava-se de um procedimento de rotina, e, naturalmente, visando nossa maior segurança e conforto. Era uma aeromoça simpática que ostentava um chachá mostrando bem o seu nome, Lucilene. As outras duas comissárias sentaram-se em suas poltronas de frente para os passageiros e elas aparentavam ser menos experientes em voos não normais. Prenderam aos cintos com ares de noviças. As percebi muito tensas. Todos ali estávamos.
Minutos depois um raio atingiu a calda do avião jogando-o para o lado fortemente. Uma  senhora gorda, sentada duas poltronas à minha frente pôs-se a rezar alto, bem alto. Entre um santo e outro chamado por ela, ouvia um caralho ou um puta que o pariu. Soubemos em seguida que o flap soltou-se da carcaça do avião desorientando totalmente o voo. A comunicação da cabine foi esquecida aberta, ouvíamos o desespero dos dois da linha de frente, inclusive os chingamentos mútuos. As duas turbinas laterais, grudadas ao corpo da nave, interromperam bruscamente o funcionamento. Sentimos os ruídos do mecanismo cessarem até chegar a zero. Havíamos saído das nuvens densas e das correntes de turbulências, o avião desviara a rota quase que a tempo de nos livrarmos dos sobes e desces abruptos que embrulhavam o estômago. Me recordo que vi de relance o céu limpo pelas janelinhas. Turbulenta mesmo estava a nossa situação dentro daquele avião que perdia mais e mais a altitude, dando solavancos terríveis que vinham do nada. Pendíamos para a esquerda e para a direita de um instante para o outro, voávamos completamente sem estabilidade e nuns dois ou três minutos minutos de muita aflição a queda foi certeira.  Mesmo com o esforço e a habilidade da tripulação que fazia de tudo para retomar o controle do voo, isso não foi possível. O encontro com as águas do Atlântico foi inevitável e com ele o grande e infindável impacto.
As poltronas se soltaram como se nunca tivessem estado presas ao piso e foram lançadas, parte delas, ao mar e parte à frente. O avião se partiu em dois e eu, antes acomodado no assento E-19, fui lançado para longe. Tudo aconteceu muito rapidamente, mas pareceram horas de intenso pavor.
Após o choque o silêncio invadiu a minha alma, não ouvia nada além do som das águas indo e vindo, insistentemente encobrindo os meus olhos, tentando me sufocar. Os gritos de horror desapareceram por completo, o desespero pela sobrevivência misturou-se a uma tranquilidade nunca sentida. A água salgada me ardia as entranhas, entupia a minha boca e o meu nariz. Queimava o meu esôfago. Lembro-me de sentir o enrugado nas pontas dos dedos. Me rendi quando pedi ajuda a Deus. Nem mesmo sob essa condição extrema me sentia à vontade para fazer isso, afinal só o estaria lembrando Dele, por medo, pensei que não seria justo. Meu orgulho me apinhava.
Meu Deus, será que ainda estou vivo ou é aqui o famoso umbral?
Me perguntava como tinha chegado ali, o que fazia naquele lugar tão ermo, tão distante de tudo, tão sozinho, lutando pela vida que me parecia querer me abandonar. Por instantes perguntei a mim mesmo porque o espírito que é eterno fica assim, todo inseguro dentro do corpo frágil. Se o espírito não morre, se está mesmo de passagem para evoluir, por que se prende tanto à vida de carne e osso?  Logo comigo que sempre evitei o mar pela solidão que ele me provoca. Divagava enquanto lutava pela vida.
Seguia com as braçadas compassadas aos intervalos e em direção ao que compreendia ser a correta. Os relâmpagos que via ao fundo poderiam estar sobre as montanhas do continente. Não tinha certeza, só seguia naquela direção. Me faltava ar nos pulmões e oxigênio ao cérebro. Tinha fome, medo, cansaço e muita vontade de dormir. Tinha sede, muita sede, mesmo eu sendo um micro cosmos ali na imensidão das águas. Sabia que não podia desistir, além de tudo, não pretendia virar comida de tubarão. Agarrei-me ao fragmento do assento cada vez mais apertado, como se estivesse abraçando a um amigo do peito, a um último fio de esperança. Os pés estavam mais frios agora. Onde foram parar os meus sapatos?
Pensei ter ouvido um ruído de motor de barco vindo de longe, bem de longe. Parei e dei atenção. Poderia ser a guarda costeira à procura de sobreviventes, de certo foram informados do acidente. Imaginei os controladores de voo de Florianópolis, Porto Alegre, Curitiba ou mesmo de São Paulo, dando conta de que em seus painéis de luzes verdes, o ícone do voo TP-7334 desaparecerá da tela em meio a tantos outros que ainda circulavam. E também certo, teria sido o pedido de socorro do comandante, momentos antes da queda. Teria ele alertado aos controladores a nossa posição. Criei coragem, busquei fôlego e gritei. Gritei pedindo ajuda com as poucas energias que ainda restavam.
O som do barco me parece real, estava mais próximo de mim. Um modelo de embarcação pequena vinha de fato ao meu encontro e dele raiou um foco de luz, possivelmente de um farolete de mão. Uma voz rouca, pouco compreensível eu ouvi - O senhor está vivo? Se não respondesse a óbvia pergunta, tendo ele notado os meus olhos esbugalhados de pavor, teria me passado por um morto vivo. Sem outra reação respondi rapidamente com um han han.
Na verdade não era a guarda costeira que me dava o atendimento, foi um barquinho pintado em verde escuro, já meio desbotado e com o nome de uma mulher em letras brancas e desordenadamente grandes, escritas pelo lado direito: Rosária.  O humilde  pescador lhe dava a tantas milhas náuticas do litoral no seu trabalhado noturno. Honesto, diga-se de passagem.
Não me lembro exatamente de como fui resgatado, lembro-me de sentir muita felicidade a ponto de adormecer segundos antes de ser pinçado para dentro da nau. 
Acordei com o atrito dos sacolejos provocados pelo trem de pouso do Fokker 100 sobre a pista do Aeroporto de Congonhas, uma hora e vinte e três minutos depois de ter decolado de Navegantes. Lucilene, a comissária chefe, com toda a gentileza profissional, despertou-me com toques de sua mão somados aos de sua voz suave, como se um anjo carinhosamente estivesse me despertando lá no céu. 
A noite estava limpa e estrelada em São Paulo e sem o menor sinal de chuva para as próximas horas. Contrastava com a do final de tarde em Navegantes. Lá o mundo caia ao chão enquanto nós subíamos de avião. O hábil comandante fez a geringonça decolar sob a forte tempestade tropical, com o mar nervoso à sua frente batendo nas rochas litorâneas em ondas gigantescas e com os ventos de um ciclone de escala invejável. Manteve-se durante o voo na rota prevista, atravessando corajosamente as intempéries metereológicas como um cavaleiro destemido enfrentando os dragões do mal. Eu aproveitei a condição imprevista, arrependido até o último fio de cabelo por ter colocado os pés naquele maldito avião, ainda com um piloto mais maluco do que eu, para tirar um bom cochilo. O dia tinha sido difícil lá em Navegantes, trabalhei muito. Não tinha mais nada a fazer depois que a porta se fechou, senão, sonhar. E eu sonhei. 

16/11/2012

A Sciencia do Telephoto

Achei interessante e resolvi colocar aqui. 
Trata-se de uma nota de um jornal, não sei exatamente qual, fico devendo essa informação, mas o exemplar é de 1922 e o título é dos mais curiosos:  
OS PRODIGIOS DA SCIENCIA - O TELEPHOTO. 
É uma nota pequena mas que ganhou até espaço para a ilustração técnica e fala sobre uma pesquisa de um aparelho que permite ver à distância. A recomendação é para que ele seja simples, leve e adaptável ao telefone. 
Me perguntei qual teria sido a reação do meu avô ao ler essa nota, uma vez que ele era um leitor voraz de jornais, revistas e tudo mais que lhe caia ao colo e muito provavelmente, este, também não escapou de sua voracidade. 
Pensei nos quem mais tivesse lido lá no início do século 20. Pensei no editor, no pessoal da gráfica,  nos entregadores, nos jornaleiros. Será que as pessoas levaram a sério? Tudo era tão diferente. 
Além da nota em si a grafia da época também me chamou a atenção, muito diferente. Reparem.

Arquivo Estadão

Como será a vida daqui a noventa anos? Como será tudo em 2102? Lá estarão vivendo os filhos dos netos dos nossos netos.
Espero estar vivo e já com os meus 150 anos. Firme e forte, prestes a me aposentar e com a memória em dia pra eu contar pra eles como era prodigiosa a telefonia no Brasil em 2012, a menos de dois anos da Copa do Mundo daquele ano.

15/11/2012

69 tons de cinza

Nancy entrou na livraria e como quem não quisesse nada começou a olhar as estantes abarrotadas de títulos. 
Olhou, revirou, tudo sem pressa, pois o tempo lhe sobrava. Não encontrava o livro que tanto recomendaram. Percebeu somente depois de um tempo, ao alto,  as enormes placas com setas indicadoras - Artes, Literatura, Direito, Infantil, Psicologia, Informática e tantas outras. Não era pra menos, as livrarias nunca foram os locais de prediletos de visitação pra ela, aquelas placas lembravam sim as dos supermercados. Mais fácil seria encontrar Nancy num Mac Donald's ou num Rabib's da vida ou até mesmo num cinema do centro da cidade do que numa livraria. 
Naquela tarde de sábado ensolarada estava sozinha mais uma vez. O namorado, aquele desgraçado, ela descobriu ser um homem nefasto, casado e bem casado. Décio iludiu Nancy por três anos, cinco meses e quatro dias e bem que ela desconfiava das constantes viagens que ele fazia pelo Brasil. Descobriu quando sem outra intenção pegou o celular dele e leu uma sequência de mensagens entre ele e sua esposa, a verdadeira. Prova irrefutável de que fora enganada por anos. Não adiantou choros nem velas, nem fita amarela gravada com o nome dela. Nancy o deixou. Melhor, ela fez com que ele pegasse suas coisas e sumisse de sua vida e do apartamento da Rua Amaral Gurgel, região central de São Paulo para sempre.
Mesmo depois de oito meses da dolorosa descoberta a dor da desilusão remoía-lhe a alma, o peito, o ventre e as vísceras. Se cansara de chorar, de lamentar, de rogar pragas ao traidor. Mais uma vez foi passada para trás. Os homens são todos iguais, quanto mais conheço os homens mais admiro o meu cachorro, assim ela amanhecia e dormia pensando.
Nancy precisava esquece-lo e à vida foi. Matriculou-se num cursinho de teatro indicado por um amigo gay, resgatando assim o sonho da adolescência. Tingiu os cabelos com um castanho tão escuro que mais pareciam pretos, deixando o aloirado de lado e bem escondido. Trocou de emprego, saiu do Instituto de Beleza e Estética Alzira's e passou ao manicure e pedicure independente, roubando descaradamente várias clientes do antigo salão. Ninguém mais vai mandar em mim, repetia ela a todo momento.
Nos seus 33 anos bem vividos e suados, ficou viuva aos 22. Foi casada com um caminhoneiro cearense que mais circulava pelas estradas do que em casa. Ele foi assassinado numa tentativa de roubo de carga em Paraisópolis, próximo a Ilhéus na Bahia, quando a polícia intercedeu com tiros por todos os lados e um deles atingindo fatalmente a cabeça do estradeiro.
Aos 24 conheceu Alencar, um fotógrafo free lancer de revistas de moda e com ele ficou por um ano e meio e como não suportava a vida desregrada do rapaz o deixou. Ele era viciado em crack e cocaina e guardava as trouxinhas no apartamento do casal. Situação intolerável e de muito risco e com isso ela também se livrou do vício adquirido com ele.
Completamente infértil, Nancy amargurava a condição de nunca poder ter um filho. Mas se ela conhecesse um homem descente, talvez com ele pudesse conseguir um por adoção. É o que lhe restava, encontrar alguém, um homem de bem e depois encontrar uma criança loira de olhos azuis bem gordinha e de cabelos encaracolados.
O tempo passou e entre encontros e desencontros, um ou outro chamego de pouca duração, algumas outras pequenas decepções, conheceu Décio, um novo eterno amor. Um homem maduro de cinquenta e poucos anos, viuvo de uma esposa fiel que lhe fora tomada por um câncer fatal em apenas três meses.
Com ele Nancy foi cautelosa, quis experimenta-lo, testa-lo, conhece-lo bem para ter certeza de quem se tratava realmente. Nada descobriu, era o homem definitivo para sua vida e um grande amor viveu com ele.
Foram felizes por pouco quase de três anos e meio. Embora vivessem no mesmo apartamento da Amaral Gurgel, ele, pelo trabalho de representante comercial, obrigava-se às rotieneiras viagens de negócios pelas distantes cidades brasileiras e incrível como as grandes oportunidades que se anunciavam antes de cada viagem não resultavam em nada. E assim o casamento com direito a igreja e vestido de noiva eram constantemente adiados e da mesma forma a adoção de um filho.
Tudo ficou claro quando Nancy descobriu a verdadeira causa dos adiamentos. O homem elegante, trabalhador e de princípios morais inabaláveis, na verdade era casado e tinha quatro filhos e dela só queria mesmo usufruir do corpo deliciosamente escultural, num ambiente de conforto de um lar amasiado.
Por essa razão, ela agora, não acreditaria mais no amor, não acreditaria nos homens e em mais nada a não ser nela mesma.
Uma atriz ela seria. Atriz de teatro como sempre sonhou desde os tempos de criança. E conseguiria por esforço próprio, sem depender de ninguém. Ela merecia ser feliz e iria lutar por isso.
Nesses vai e vens da vida Nancy conheceu Dolores. Uma negra alta, esguia, de corpo espetacular e seios enormes, quase dois anos de vida a mais que ela. Conheceram-se ao acaso, numa padaria da Praça Marechal Deodoro próximo a avenida Angélica em Santa Cecília, num sábado chuvoso por volta das onze e meia da manhã. Dolores que saboreava uma cochinha, pediu a Nancy que lhe passasse o molho de pimenta que estava a sua esquerda e esta gentilmente a atendeu. E assim a amizade se iniciou, com um sabor acentuado de pimenta.
Para surpresa de Nancy a mulher se apresentou como atriz. Estrela de filmes alternativos. Nancy nunca tinha conversado com uma artista de verdade, uma daquelas que aparecem em filmes nos DVDs. Pediu até um autógrafo para a nova amiga.
Dias depois, a troca de celulares possibilitou a Dolores convidar Nancy para assistrem juntas os seus filmes no apartamento dela que ficava lá no bairro da Mooca. Uma coleção de vinte e dois trillers eróticos, todos protagonizados pela majestosa mulher negra.
Após tantas confidências, tantas descobertas mútuas e inúmeras afinidades, ambas decidiram dividir o apartamento da Rua Amaral Gurgel. Dessa forma repartiriam as despesas e assim teriam a vida mais segura.
Tempos depois Dolores conseguiu para Nancy uma vaga no casting da produtora de filmes. Então, com o dinheiro extra ela pode concluir o tão sonhado curso de teatro.
Aos vizinhos de apartamento as mulheres disseram que eram irmãs de pai negro e de mãe branca, esta descendente de  alemães e que eles geraram filhas de múltiplas raças e que ainda existiria uma terceira irmã mais nova que era totalmente mulata. E meses depois os mesmos vizinhos notaram a presença constante de um novo habitante naquele exótico apartamento - um bebê que aparentava ter menos que um ano o qual foi apresentado a eles como um sobrinho, filho da irmã mulatinha.
Era um bebê loiro de olhos azuis. De bochechas gorduchas e bem rosadas e com os cabelos encaracolados, muito sorridente. Ao menino deram o nome, Nando. Singelo resultado da afetuosa contratação dos nomes de Nancy e Dolores.

14/11/2012

Esmeralda de Pirapóia e os alunos de Pirituba

Dona Esmeralda, professora de escola pública por opção, mesmo aposentada e já com seus 64 anos de vida, ainda mantém intensa paixão pela profissão. Desde menina em Pirapóia do Bom Menino, dizia aos quatro cantos que quando crescesse seria professora e com isso deixando os pais muito orgulhos. Professora da Escola Madre Maria Virgínia, onde lecionaria até morrer.
Filha de um próspero fazendeiro plantador de café, de família respeitadíssima nos arredores, católicos fervorosos, a pequena Esmeralda era a terceira das quatro filhas do casal que mantinha a prole rigorosamente dentro dos padrões dos bons costumes e da moral pirapoiense.
O pai, coronel Bento Menezes, homem alto, forte, com bigodes que cobriam-lhe boa parte do rosto e Dona Dorotéia, a mãe, dada às prendas domésticas e ao bordado, mantinham a família sob forte vigilância.
Na escola, Esmeralda raramente não tirava as notas mais altas. Aplicadíssima, livros e cadernos sempre alinhados, encapados e bem cuidados. Ganhou medalhas de honra ao mérito aos montes e a mãe orgulhosa fazia questão de exibi-las num enorme quadro disposto na sala principal da mansão. De certo a filha seria uma excelente professora, a melhor que existiria em todos o tempos. As outras mais pareciam nascidas para o casamento e ao lar.
Aos 17 anos conheceu Arthur, rapaz de 24 anos, recém formado em medicina na Faculdade de Arapongas, cidade próxima que ficava a 28 quilômetros de Pirapóia e com ele se casou um ano depois, quando transferiram-se para São Paulo, cidade que oferecia maiores oportunidades.
Houve certa resistência de início por parte da família quanto ao namoro. Os pais preferiam que a filha pródiga se formasse e só depois considerasse o casamento. Mas com habilidade e articuladamente, como sempre foi, ela convenceu os pais que se travata de um rapaz sério e dotado das melhores intenções. Além de tudo, o jovem doutor também era filho de um próspero fazendeiro da região, mas em nada queria com o campo. Seu desejo verdadeiro era ser um médico respeitado numa grande cidade.
A jovem depois de casada continuou com os estudos, Arthur não se incomodou por ela não pretender ter os filhos tão cedo, pelo contrário, ele a incentivava, sabendo que sua amada esposa, tinha um sonho de criança a se realizar e que a prole poderia vir a seu tempo. Esmeralda contou com total apoio do marido doutor.
Os filhos vieram somente sete anos depois. Um lindo casal - José Eduardo e Maria Lúcia, ambas nasceram saudáveis e Dona Esmeralda já era professora do ginásio quando engravidou pela primeira vez.
Os anos se seguiram e a vida foi como num conto de fadas. Os filhos cresceram, Eduardo mudou-se para Londres logo após formar-se em arquitetura e lá arrumou emprego num pub, esperando encontrar alguma chance na produção de cinema, seu maior sonho. Maria Lúcia, dada aos negócios foi para Pirapóia tomar conta da fazenda herdada dos avós recentemente falecidos. Não pretendia casar-se nunca, ao menos com um homem. O marido, doutor Arthur de Paiva, gastro clínico de mão cheia, prosperou na profissão, tornou-se um médico bastante respeitado onde moravam e mantinha o consultório desde os primeiros anos na cidade, lá no bairro do Belém, zona leste de São Paulo.
Dona Esmeralda, conquistou o que sempre quis, firmou-se na cadeira de professora. Admirada por muitos e temida por outros e dedicou-se à Escola Estadual Manoel Bandeira de Melo, no bairro distante de Pirituba, periferia do extremo noroeste da cidade.
Conhecida pela rigidez disciplinar e pela forma exigente de tratar os alunos e estes preferindo aceita-la ao enfrenta-la. Ai de quem a desafiasse. Ela não permitia em hipótese alguma qualquer tipo de brincadeira, insinuações ou falta de respeito, a quem quer que fosse na sala de aula ou fora dela. Querida, admirada, mas também odiada por alguns. O perfil dos pais deixaram na professora de cabelos lisos, levemente grisalhos, tingidos num lilás discreto e presos a um coque, as requintadas referências no comportamento cristão. A miopía da adolescência intensificara-se aos 64 e os óculos de lentes grossas e de aros dourados deformavam-lhe um pouco o rosto de poucas rugas, dando ao semblante um ar mais sisudo.
Recentemente, Dona Esmeralda decidiu, definitivamente, aposentar-se. Um fato em especial contribuiu para essa posição. Um episódio a fez perceber que os tempos mudaram e mudaram de forma grosseira que ela não mais se sentia feliz e nem segura para ainda acreditar nos valores morais que recebera na infância. Estes que a guiaram pela vida toda, que deram direção à educação dos filhos, agora rebelados e com tatuagens pelo corpo e distantes dela e do respeitado esposo.
Bateu a melancolia, uma sensação de frustração e arrependimento. Deveria ter seguido por outros caminhos, pensava na calada da noite.
O fato determinante se dera na primeira semana de outubro deste ano e foi durante uma aula. Tudo seguia bem até quando ela dirigindo-se à turma da sétima séria, perguntou: 
__ Alunos, agora vamos falar sobre ciências. Quero saber de vocês qual é a parte do corpo humano que uma vez estimulada, aumenta de tamanho cerca de dez vezes?
Ninguém respondeu. Ficaram atônitos com a pergunta da professora conhecida por ser extremamente séria. Um sorriso discreto daqui, outro dali. Um mais indignado ao canto. Todos reagiram com um estranho e patético silêncio.
__ Vamos, gente, ninguém sabe me dizer? Quero saber qual a parte do corpo humano que ao ser estimulada, cresce, aumenta, fica grande, enorme, quase dez vezes maior que o tamanho normal? Vamos, me respondam.
Nada, silêncio absoluto na sala. Dona Esmeralda notou os olhares confusos dos meninos e meninas.
__ Como assim, professora? perguntou em voz baixa a tímida, Luiza, sentada logo à sua frente.
__ Ora, a pergunta é simples, Luiza. Vocês já não são mais crianças. Sabem muito bem ao que me refiro.
Por quase um minuto a classe se manteve em total quietude. Os alunos olhavam-se uns aos outros sem saber o que responder.
Lá do fundo, Natália, uma jovem de dezeseis anos, uma criança na flor da adolescência, toda furiosa e cheia de razão, percebeu que finalmente encontrara uma oportunidade de revidar à megera professora que insistia em lhe dar notas baixas. Levantou-se e em tom solene proclamou:
__ A senhora não deveria fazer uma pergunta desse tipo para nós. Isso é um assédio, uma falta de respeito, não cabe aqui perguntas desse tipo e eu vou contar tudo para os meus pais e eles contaram tudo para o diretor e a senhora vai perder o emprego, sua vaca velha!
Sentou-se e murmorou aos colegas próximos:
__se fodeu comigo... kkkk
Para espanto de Natália e dos demais alunos, Dona Esmeralda a ignorou e à classe dirigiu a pergunta novamente.
__ Classe, me digam, qual a parte do corpo humano que aumenta dez vezes o seu tamanho quando estimulada? Ela quando excitada, cresce. Me digam.
Bruno, sentado duas fileiras atrás, bem à direita e folheando o livro de ciências, enquanto os demais fingiam não endenter, parou numa folha, lendo o enunciado seguindo com o dedo indicador, olhou ao redor e levantou-se. Pigarreou.
__ Professora, acho que sei. A parte do corpo humano que aumenta dez vezes quando estimulada são as pupilas dos olhos.
__ Muito bem, Bruno, excelente! Você deu a resposta corretíssima. Não se prendeu aos analogismos e foi buscar uma resposta coerente ao contexto da aula.
Dona Esmeralda então voltou-se para Natália e continuou:
__ E você, mocinha, tenho três coisas para lhe dizer: primeiro, você tem uma mente muito suja para sua idade, fale sim com seus pais, pois seu estado é muito preocupante. Segundo, vejo que você não leu o livro que recomendei, pelo visto, nem tocou nele. E a terceira e mais lamentável é que um dia você vai ficar muito, mas muito desapontada, viu? Prepare-se.

12/11/2012

A chuva e eu

Bom dia, segunda feira chuvosa, linda e maravilhosa. Mesmo assim, toda chorosa, escurecida,  molhada e com cara de sem graça és bem recebida. Afinal, a chuva faz parte do ciclo natural e sem ela a secura do sol nos mataria. Portanto, querida amiga, segundona de chuva, seja bem-vinda. 
Essa é uma maneira de enxergar. A outra é a seguinte: 
#//&**@m… que dia mais escroto. Cara de segunda feira mesmo. Chovendo pra cacete e deixando o trânsito em São Paulo mais terrível ainda. Não aguento segundas feiras, são muito foda. Que ressaca. 
1963 - Tinha nove anos de idade e morava num bairro de periferia na região sul de São Paulo. Na sapateira, um par de sapatos. Na época vivia com os pés descalços e somente os calçava para ir à escola ou, então, aos finais de semana, quando íamos na casa dos meus avós. Minha mãe fazia questão de nos mostrar bem cuidados, bem vestidos, meninos de ouro - meu irmão e eu.
A casa onde morávamos foi construída pelo meu pai, com as próprias mãos. Ele sempre foi de fazer as coisas. Ele não entendia porque deveria pagar pra alguém quando ele mesmo poderia reformar ou construir alguma coisa. Nossa casa tinha um quarto, uma sala, uma cozinha e um banheiro. Portanto, dormíamos, meu irmão e eu, num sofá-cama, que durante o dia servia de mobília ao cômodo e a noite, num movimento extremamente barulhento, se transformava, como num passe de mágica, numa confortável cama.
O reboque em massa grossa revestia os tijolos somente pelo lado de dentro. Do lado externo via-se um a um deles, assentados em forma simétrica, com toda a combinação possível. Da mesma maneira via-se as entranhas dos batentes das portas e das janelas. A ideia de meu pai, assim que pudesse, era rebocar a casa toda, pintá-la de azul claro, cimentar o quintal de terra batida e fazer um bonito jardim para ornamentar a fachada do palacete e quem sabe, quando a água estivesse disponível pelas tubulações da rua, deixaríamos de usar o poço. Me lembro do ruído do sarilho soltando a corda que prendia o balde que despencava, cantando pelas profundezas até alcançar a água que se escondia lá no fundo. Para mim, aquilo era uma viagem ao centro da terra. Tentava enxergar o brilho da água colocando um espelho que refletia a luz do sol para dentro e me perguntava se furássemos mais fundo aquele poço, se de fato chegaríamos ao Japão. Me diziam que o país distante ficava na verdade bem abaixo de nós. Suspeitava da veracidade da história.
A TV, uma Invictus de 21 polegadas, apoiava uma antena de duas hastes e um regulador de voltagem. A tensão elétrica na época variava muito e o tempo todo tínhamos que ficar ajustando o botão preto, sisudo do equipamento. Me lembro que o ponteiro do reloginho não poderia passar de jeito nenhum de uma marquinha vermelha. Minha mãe dizia que a TV pegaria fogo. Eu tinha medo de morrer queimado. Meu irmão, quase dois anos mais novo, não parecia se importar. Ele preferia brincar com bolinhas de gude pelos tacos ainda a serem raspados.
Meu pai chegava em casa só a noite, com alguns trocados no bolso e deixava com minha mãe a féria do dia para a compra da comida do dia seguinte. Éramos felizes, mesmo com o estômago vazio. 
1997 - Num dia de abril deste ano estava em Los Angeles, queria estar sozinho para circular  pela Sunset Boulevard, curtindo um carro alugado todo cheio de frescuras. Era o maior que a locadora dispunha. Não sei a marca e nem o modelo, só sei que era o maior e o mais bonito, todo esportivo. Dei um presente à soberba que invadiu a minha alma.
Fui para Hollywood pois queria conhecer os estúdios, aqueles gigantes que via nas fotos da Revista de Cinema quando criança. De alguma forma essas revistas chegaram em casa - umas três ou quatro e minha mãe e eu ficávamos lendo e olhando as fotografias e ela me contava que ali, naqueles enormes galpões é que faziam os filmes que via na TV. Meu pai me deu as primeiras noções de fotografia. Acho que por isso sou apaixonado pela arte.
De certo, as revistas não foram compradas por eles, provavelmente meu pai as ganhou de algum freguês. Ele era mecânico de motocicletas e tinha alguns bons clientes endinheirados. Sua oficina era na Rua Vergueiro - Estrada do Vergueiro como se dizia na época e ficava quase no final dessa via, próximo ao início da Anchieta.
Motos das marcas Honda, Yamaha, Suzuki, Kawasaki, ainda não existiam no Brasil. As da época eram inglesas, italianas, alemãs, tchecas ou húngaras - Norton, Match, BMW - se falava BMV, Jawa e Monarck. Algumas eram americanas - Harley Davison e Indian. A mais nova devia ter uns quinze anos de idade, pelo menos. Não importavam motocicletas zero quilômetro nos anos 50 e 60. Nada era novo, tudo muito antigo e recuperado. Parecia Cuba de hoje.
Quando passei em frente aos enormes portões da Paramount Pictures estanquei o carro de súbito. Os pneus deslizaram pelo asfalto. Meu coração acelerou, eu tremi e quase desmaiei. As imagens em preto e branco das revistas de cinema vieram à mente tão rapidamente quanto a velocidade da luz. Alguns gringos buzinaram e ouvi também palavrões em inglês, eles soaram mais bonitos, cinematográficos. Me recompus e estacionei o esportivo com a maior elegância do mundo. 
1968 - Aos quatorze anos arrumei meu primeiro emprego numa fábrica de vidros próxima de casa no Belenzinho. Multividro era o nome da firma. Entrei lá como auxiliar de escritório e meu salário era de CR$ 64,80 - Sessenta e quatro cruzeiros e oitenta centavos. Equivalente a meio salário mínimo, era o que se pagava para quem tinha a carteira de trabalho de menor. Na época era permitido menores de idade ter registro em carteira. Eu tive o meu. O dia da minha estréia foi numa segunda feira, um 09 de abril.
Com meu primeiro salário fiz uma compra assumindo uma baita prestação. Numa loja do Bom Retiro comprei uma japona que me custou CR$ 150,00 - mais que duas vezes o meu salário e paguei uma a uma delas em dez meses - dez prestações de CR$ 15,00 - quinze cruzeiros por mês. O carnê saiu em nome de minha mãe. O resto da grana ia direto pra ela, esse foi o trato, assim ajudando nas despesas de casa. Ah! Para quem não sabe, japona era um enorme casaco do tipo inglês, com a gola grande a qual dobrávamos para proteger também o pescoço do frio que quase não vinha. Os Beatles faziam muito sucesso e apareciam nas fotos e nos filmes vestindo-se assim. Todos nós usávamos japonas pretas ou cinzas, mesmo debaixo de um sol tropical de quase 40 graus, pois valia mesmo nos passarmos por britânicos. O pau comia solto em Brasília, não compreendia direito, mas sabia que tinha coisa errada por lá. 
1954 - Eu nasci num final de tarde do dia de 12 de janeiro. Minha mãe deu-me a luz num quarto da frente da casa da minha avó, dona Filomena Turci, no bairro da Penha. Pelo que contam ficaram todos felizes com a chegada do primeiro neto. Naturalmente seguiu-se uma justificada festa à moda italiana.
1978 - Em janeiro deste ano me casei com a mulher que me faz feliz até hoje, dona Rita e em outubro do mesmo ano ela me deu nosso primeiro filho. Primeiro dos quatro maravilhosos que a vida na sequência me ofereceu. Foi um ano significativo, 1978. Me senti valente, mesmo morrendo de medo. 
2012 - Hoje, numa segunda feira chuvosa acordei lembrando dessas e de outras tantas passagens. Não posso garantir, mas a sensação que tenho é que sempre choveu em minha vida. Nos períodos mais difíceis e principalmente nos mais felizes. As lembranças vêm à mente como num auto resgate, não as procuro. Chegam sem cor definida, sem ordem, acinzentadas, mudas, mas incrivelmente acalentadores. Me vejo no colo de minha mãe e nós, ela, meu irmão e eu, envolvidos nos braços do meu pai que hoje mora um pouco acima do céu. 
Fico, então, com a primeira opção. Bem-vinda segunda feira de chuva. 

11/11/2012

Bolivariando

Imagem Google
Desligado eu sempre fui, mas como ultimamente, não me lembro. Digo desligado pra não dizer outra coisa, me parece mais falta de entusiasmo, meio de saco cheio. Escrever aqui pra reclamar é demais, mas não é uma reclamação como a entendemos normalmente. não me leve a mal, é só um relaxo. Não ligue o amigo ou amiga que estiver me acompanhando. Estou bem de forma geral, bem de saúde e sem problemas pessoais relevantes. Tudo segue normal, ainda bem.
Me refiro no sentido de que estou realmente cansado, com pouca disposição pra fazer qualquer coisa. Quero mais é ficar de boa, sem ter ninguém pra me cobrar nada. Sem ter que cumprir horários e me livrar de qualquer compromisso. O único que gostaria de ter seria o de não ter compromisso algum.
Numa praia, no interior, no sitio, sei lá onde. Distante de qualquer agitação corriqueira. Num lugar sem ninguém por perto, nem a pau. Não suporto o vazio, não aguento o marasmo. Quando muito, poucos dias assim só pra oxigenar. Quero viajar, faz tempo que não saio de São Paulo.
A Patagônia argentina me espera. No Peru, Matchu Pitcho me aguarda e os vinhos chilenos me chamam a todo momento.
Descobrir a América depois de Colombo e Tchê me enchem a alma, completam o vazio e aceleram o coração. Seguir bolivariando ao sul da linha do equador, dos trópicos de câncer e capricórnio, das pré antárticas do estreito de Magalhães ao café colombiano, num continente a ser revelado ao mundo.

10/11/2012

De onde vem os sonhos?

No meu sonho eu acordei lembrando o que tinha acabado de sonhar. Sonhei nesse sonho despertando num dia de primavera. Abrindo a janela do quarto, quando me levantei e me encantei com o jardim que coloria o quintal da minha casa. Flores diversas, de cores diversas, num gramado aparado, alcançado no fundo distante o azul do horizonte. O bucólico ornamentava o quintal que recebia os primeiros raios de sol, estes contrastando-se com o verde das montanhas logo à direita.
O ar puro e fresco invadiu minha alma e meu corpo. Subiu-me um arrepio que recolhi os braços.
Notei uma pessoa sentada num banco de madeira a uma distância razoável e ela vestia uma roupa leve, branca e azul. Os cabelos lisos, escuros acastanhados caíam-lhe alinhados para além dos ombros, eles também sentiam o vento suave da manhã e esvoaçavam como se tivessem vida própria, sutilmente. Ela parecia feliz, mas, estranhamente e ao mesmo tempo, guardava um quê de melancolia. Alguma tristeza, mágoa talvez. Decepção, quem sabe.
Olhou de súbito para mim, exitou e depois de segundos sorriu com ligeira timidez, movimentando os lábios finos da boca pequena, deixando as bochechas um pouco mais salientes do que eram naturalmente. Acenou com a mão direita, demonstrando um pouco de alegria ao me ver. Os olhos franziram-se como num encantamento. Passou um tempo e ela voltou-se ao horizonte. O céu, mais forte que eu, me venceu.
Tentei alcança-la. Gritei, berrei. A janela se fechou com o sopro repentino do vento forte vindo das montanhas. Tentei abrir os varões das trancas da maldita janela. Notei que não tinha dedos nas mãos, eles desapareceram. Meus braços sumiram, minha voz calou-se. Empurrei, empurrei, forcei com o que me restava do corpo, mas, nada de abrir. A janela se fechou para sempre.
Deitei-me. A conta veio e percebi que o sonho acabara. O sonho acabou, pensei e acordei de verdade.

Ninguém sabe de onde vem os sonhos. Eles vêm e vão, nos pegam frágeis, desatentos, dormindo, invadem nosso descanso. Aparentemente sem sentido, sem tempo, sem cor, sem simetria. Vêm e vão invadindo a nossa privacidade.
Prefiro sonhar acordado, o roteiro eu mesmo traço e no final eu sempre venço.

07/11/2012

Violência

A boa sensação, embora reconheça o ridículo da coisa, é que hoje faz quatro dias que não acesso o Facebook. Me dei conta que vinha fazendo isso diariamente e de forma compulsiva. É estranho, mas em dois anos de assinatura, aos poucos me tornei um assíduo frequentador, um bisbilhoteiro de primeira. E como me tornei um, amigos e meros desconhecidos poderão estar no mesmo barco, sem perceberem.
Claro que boa parte do que vejo postado é interessante. Curiosidades realmente curiosas, imagens incríveis, mas outras tantas são somente balelas, pregações do óbvio e "ensinamentos". Estes, então, nem se fala. Um porre.
Redes sociais são intessantes, revelam, aproximam e provocam encontros de velhos amigos, ao menos, notícias deles nos chegam sem que esperamos. Mas essas redes vem se deteriorando, enchendo o saco, em especial a mais popular - no Brasil pelo menos, o Facebook.
Não vou desabilar o meu em consideração aos amigos e às boas postagens, mas de certo vou fazer uma boa reorganização na relação de "amigos". Deixando espaço para os conquistados recentes.
Vou apagar ou alterar minhas informações. A quem interessa, senão a mim mesmo, se sou casado, se tenho filhos, qual o meu nível de escolaridade, quais escolas frequentei, quais os livros e filmes que gosto? É muita informação aberta. Ainda mais em tempos de tanta violência.Chega.

E por falar em violência, São Paulo está batendo recordes. De um lado as instituições e do outro a bandidagem instituída. O cidadão comum entre tentam a sobrevivência entre balas perdidas ou destinadas aos anônimos. Governantes incautos, alinhados aos seus partidos políticos não agem como deveriam agir. O estadual reluta ao apoio federal e este tira partido da onda passando-se por bom.
Na periferia policiais são assassinados nas madrugadas e nela os humildes são mais humilhados por policiais à procura de bandidos. Tem gente inocente pagando a conta. Nesse cenário prega-se a violência. Ouço o tempo todo frases do tipo "bandido bom é bandido morto". O ódio se estabeleceu e cegou a todos. Quando o cachorro persegue o gato em volta de uma mesa, chega uma hora que você não sabe mais quem persegue quem.

Nesse aspecto o Facebook sai ganhando. Menos pior a bisbilhotagem. É só alterarmos os nosso dados.

02/11/2012

Tchau ao Facebook

Li outro dia, não faz muito tempo, uma matéria feita por uma jovem jornalista, cujo nome não me recordo, que, para testar sua independência, se é essa mesmo a palavra, resolveu ficar um mês longe do Facebook. Nem por email e nem, muito menos, abrindo a página para uma olhadinha rápida. De uma forma tal como se ela nunca soubesse da existência da famigerada máquina das lamentações.  
Quando ela decidiu fazer esse teste partiu da ideia de que poderia, facilmente, sobreviver sem os fuxicos, lamúrias, indiretas, xeretices, contemplações, propagandas enganosas e as curiosidades que o site oferece. Aliás, tornando-se ele uma nova fonte de notícias, concorrendo com os jornais de carteirinha.
Aliás, só deu atenção para o assunto quando soube da história de uma fracassada tentativa de um amigo que por uma semana impos-se ao não uso FB e depois de três dias rendeu-se ao vício. Foi cutucado - palavras dele, segundo ela.
Que nada! pensou a jornalista. Eu entro porque quero, porque gosto, me distraio, pois quando me encher o saco, fecho a página e pronto.
E assim partiu para o desafio. O relato é hilário, cheio de detalhes que me impressionaram. Em pouquíssimo tempo a jovem se deu conta que a coisa não era bem assim. Em uma semana, antes mesmo da TPM, seu estado era de absoluto nervosismo, doentio de arrepiar os cabelos. E olhe que, supondo tratar-se de uma pessoa bem informada e de boas posses, com tantas outras possibilidades de diversão, passaria pelo teste brincando. Ela de pronto percebeu a encrenca em que metera. As desculpas começaram a despencar em sua cabeça: o que os amigos pensarão das mensagens enviadas a ela e que ficaram sem respostas? Que mal educada! E as felicitações pelos aniversários? O facebook faz isso para seus adicionados, chega a ser uma comodidade, a gente se "lembra" das datas até de pessoas que mal conhecemos. E por ai vai. O que pensariam dela? Assim do nada, desaparecer.
Para resumir, com muita força de vontade a jovem suportou o desapego por quinze dias, quinze longos dias, período em que nasceu um diário e dele o substrato para sua matéria que recebeu elogios e destaque na revista. 
Será? pensei comigo.  
Pois então, decidi fazer a mesma coisa. Afinal, ando também me questionando a assiduidade no teclado que me leva, invariavelmente à minha página.
Me programei e a partir do próximo dia 05 de novembro, segunda feira até o final do mês, dia 30, nada de Facebook. Estarei longe das vigílias. Afinal, me incomoda um pouco essa relação automática.
Quero ver se estou mesmo condicionado nisso, como diz minha mulher, pois pra mim, tenho que meu único vício seja o cigarro.  
Amigos e pessoas interessadas em conversar e saber de mim poderão me escrever. Cartas dão muito trabalho, emails são mais fáceis e na minha página é fácil saber qual é o meu endereço eletrônico. Ou, então podem me telefonar ou me visitarem em casa.
Aos aniversariantes do período, deixarei o meu fraterno abraço com desejos de felicidades sempre. Mesmo que não leiam, vale o que sinto por vocês. Se tudo der certo, me sentirei mais seguro em prosseguir na ideia de cair fora desse modelo de contato ou pelo menos, utiliza-lo moderadamente.
Quanto ao Blog a coisa é diferente. Aqui relaxo e descarregado meus sonhos e pensamentos com alegria e liberdade.
Compartilha, vá deitar-se, vou lhe usar!