14/11/2012

Esmeralda de Pirapóia e os alunos de Pirituba

Dona Esmeralda, professora de escola pública por opção, mesmo aposentada e já com seus 64 anos de vida, ainda mantém intensa paixão pela profissão. Desde menina em Pirapóia do Bom Menino, dizia aos quatro cantos que quando crescesse seria professora e com isso deixando os pais muito orgulhos. Professora da Escola Madre Maria Virgínia, onde lecionaria até morrer.
Filha de um próspero fazendeiro plantador de café, de família respeitadíssima nos arredores, católicos fervorosos, a pequena Esmeralda era a terceira das quatro filhas do casal que mantinha a prole rigorosamente dentro dos padrões dos bons costumes e da moral pirapoiense.
O pai, coronel Bento Menezes, homem alto, forte, com bigodes que cobriam-lhe boa parte do rosto e Dona Dorotéia, a mãe, dada às prendas domésticas e ao bordado, mantinham a família sob forte vigilância.
Na escola, Esmeralda raramente não tirava as notas mais altas. Aplicadíssima, livros e cadernos sempre alinhados, encapados e bem cuidados. Ganhou medalhas de honra ao mérito aos montes e a mãe orgulhosa fazia questão de exibi-las num enorme quadro disposto na sala principal da mansão. De certo a filha seria uma excelente professora, a melhor que existiria em todos o tempos. As outras mais pareciam nascidas para o casamento e ao lar.
Aos 17 anos conheceu Arthur, rapaz de 24 anos, recém formado em medicina na Faculdade de Arapongas, cidade próxima que ficava a 28 quilômetros de Pirapóia e com ele se casou um ano depois, quando transferiram-se para São Paulo, cidade que oferecia maiores oportunidades.
Houve certa resistência de início por parte da família quanto ao namoro. Os pais preferiam que a filha pródiga se formasse e só depois considerasse o casamento. Mas com habilidade e articuladamente, como sempre foi, ela convenceu os pais que se travata de um rapaz sério e dotado das melhores intenções. Além de tudo, o jovem doutor também era filho de um próspero fazendeiro da região, mas em nada queria com o campo. Seu desejo verdadeiro era ser um médico respeitado numa grande cidade.
A jovem depois de casada continuou com os estudos, Arthur não se incomodou por ela não pretender ter os filhos tão cedo, pelo contrário, ele a incentivava, sabendo que sua amada esposa, tinha um sonho de criança a se realizar e que a prole poderia vir a seu tempo. Esmeralda contou com total apoio do marido doutor.
Os filhos vieram somente sete anos depois. Um lindo casal - José Eduardo e Maria Lúcia, ambas nasceram saudáveis e Dona Esmeralda já era professora do ginásio quando engravidou pela primeira vez.
Os anos se seguiram e a vida foi como num conto de fadas. Os filhos cresceram, Eduardo mudou-se para Londres logo após formar-se em arquitetura e lá arrumou emprego num pub, esperando encontrar alguma chance na produção de cinema, seu maior sonho. Maria Lúcia, dada aos negócios foi para Pirapóia tomar conta da fazenda herdada dos avós recentemente falecidos. Não pretendia casar-se nunca, ao menos com um homem. O marido, doutor Arthur de Paiva, gastro clínico de mão cheia, prosperou na profissão, tornou-se um médico bastante respeitado onde moravam e mantinha o consultório desde os primeiros anos na cidade, lá no bairro do Belém, zona leste de São Paulo.
Dona Esmeralda, conquistou o que sempre quis, firmou-se na cadeira de professora. Admirada por muitos e temida por outros e dedicou-se à Escola Estadual Manoel Bandeira de Melo, no bairro distante de Pirituba, periferia do extremo noroeste da cidade.
Conhecida pela rigidez disciplinar e pela forma exigente de tratar os alunos e estes preferindo aceita-la ao enfrenta-la. Ai de quem a desafiasse. Ela não permitia em hipótese alguma qualquer tipo de brincadeira, insinuações ou falta de respeito, a quem quer que fosse na sala de aula ou fora dela. Querida, admirada, mas também odiada por alguns. O perfil dos pais deixaram na professora de cabelos lisos, levemente grisalhos, tingidos num lilás discreto e presos a um coque, as requintadas referências no comportamento cristão. A miopía da adolescência intensificara-se aos 64 e os óculos de lentes grossas e de aros dourados deformavam-lhe um pouco o rosto de poucas rugas, dando ao semblante um ar mais sisudo.
Recentemente, Dona Esmeralda decidiu, definitivamente, aposentar-se. Um fato em especial contribuiu para essa posição. Um episódio a fez perceber que os tempos mudaram e mudaram de forma grosseira que ela não mais se sentia feliz e nem segura para ainda acreditar nos valores morais que recebera na infância. Estes que a guiaram pela vida toda, que deram direção à educação dos filhos, agora rebelados e com tatuagens pelo corpo e distantes dela e do respeitado esposo.
Bateu a melancolia, uma sensação de frustração e arrependimento. Deveria ter seguido por outros caminhos, pensava na calada da noite.
O fato determinante se dera na primeira semana de outubro deste ano e foi durante uma aula. Tudo seguia bem até quando ela dirigindo-se à turma da sétima séria, perguntou: 
__ Alunos, agora vamos falar sobre ciências. Quero saber de vocês qual é a parte do corpo humano que uma vez estimulada, aumenta de tamanho cerca de dez vezes?
Ninguém respondeu. Ficaram atônitos com a pergunta da professora conhecida por ser extremamente séria. Um sorriso discreto daqui, outro dali. Um mais indignado ao canto. Todos reagiram com um estranho e patético silêncio.
__ Vamos, gente, ninguém sabe me dizer? Quero saber qual a parte do corpo humano que ao ser estimulada, cresce, aumenta, fica grande, enorme, quase dez vezes maior que o tamanho normal? Vamos, me respondam.
Nada, silêncio absoluto na sala. Dona Esmeralda notou os olhares confusos dos meninos e meninas.
__ Como assim, professora? perguntou em voz baixa a tímida, Luiza, sentada logo à sua frente.
__ Ora, a pergunta é simples, Luiza. Vocês já não são mais crianças. Sabem muito bem ao que me refiro.
Por quase um minuto a classe se manteve em total quietude. Os alunos olhavam-se uns aos outros sem saber o que responder.
Lá do fundo, Natália, uma jovem de dezeseis anos, uma criança na flor da adolescência, toda furiosa e cheia de razão, percebeu que finalmente encontrara uma oportunidade de revidar à megera professora que insistia em lhe dar notas baixas. Levantou-se e em tom solene proclamou:
__ A senhora não deveria fazer uma pergunta desse tipo para nós. Isso é um assédio, uma falta de respeito, não cabe aqui perguntas desse tipo e eu vou contar tudo para os meus pais e eles contaram tudo para o diretor e a senhora vai perder o emprego, sua vaca velha!
Sentou-se e murmorou aos colegas próximos:
__se fodeu comigo... kkkk
Para espanto de Natália e dos demais alunos, Dona Esmeralda a ignorou e à classe dirigiu a pergunta novamente.
__ Classe, me digam, qual a parte do corpo humano que aumenta dez vezes o seu tamanho quando estimulada? Ela quando excitada, cresce. Me digam.
Bruno, sentado duas fileiras atrás, bem à direita e folheando o livro de ciências, enquanto os demais fingiam não endenter, parou numa folha, lendo o enunciado seguindo com o dedo indicador, olhou ao redor e levantou-se. Pigarreou.
__ Professora, acho que sei. A parte do corpo humano que aumenta dez vezes quando estimulada são as pupilas dos olhos.
__ Muito bem, Bruno, excelente! Você deu a resposta corretíssima. Não se prendeu aos analogismos e foi buscar uma resposta coerente ao contexto da aula.
Dona Esmeralda então voltou-se para Natália e continuou:
__ E você, mocinha, tenho três coisas para lhe dizer: primeiro, você tem uma mente muito suja para sua idade, fale sim com seus pais, pois seu estado é muito preocupante. Segundo, vejo que você não leu o livro que recomendei, pelo visto, nem tocou nele. E a terceira e mais lamentável é que um dia você vai ficar muito, mas muito desapontada, viu? Prepare-se.

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