20/11/2012

As coisas mudam e a gente nem se dá conta

A esposa optou por fazer o velório do marido em casa, à moda antiga, com o caixão ao centro da sala principal, local amplo e arejado e com muitas janelas que poderiam permanecer abertas durante a madrugada, naquela que seria a residência mais bonita do bairro.
Antenor de Macedo de 52 anos, sofreu um ataque cardíaco fulminante quando assistia o jogo pela TV. Seu clube do coração amargava ao final do segundo tempo, uma derrota de cinco a zero para o time considerado o azarão do campeonato. Foi muito para ele. O Prudentino era a sua paixão.
Doutor Demerval foi localizado às pressas, mas quando chegou, vinte minutos após o chamado, nada pode fazer. Encontrou o amigo de infância estatelado no sofá e já sem respiração, restando-lhe fazer o atestado de óbito e dar pêsames a esposa do amigo, dona Berenice.
Após ligar para o médico, ela pediu aos filhos, Carlos e Maria Rita para que viessem o quanto antes, pois o pai não passava nada bem. Preferiu não dar a notícia da provável morte do pai pelo telefone e em pouquíssimo tempo e acompanhados de seus cônjuges e filhos, um de cada casal, todos chegaram aflitos.
Primeiro Carlos, o mais velho e em seguida, Maria Rita, aos prantos dizendo ter pressentido que alguma coisa ruim tinha acontecido. Chorava copiosamente nos braços da mãe, recebendo consolos afáveis do marido. Os netos, um de dois anos e o outro de nove meses, foram colocados no quarto dos avós para dormirem.
Os parentes, tanto de um lado como do outro, não moravam tão próximos. Eram na região de Presidente Prudente, interior de São Paulo. Trinta anos atrás os jovens, muito apaixonados um pelo outro desde os tempos de escola, mesmo ele sendo dez anos mais velho que ela, mudaram-se para a capital com intuito do marido montar o seu próprio negócio. Somente um primo dele morador da Vila Esperança e que de tempos em tempos visitava a família, pode estar presente. Os demais souberam do falecimento somente no dia seguinte, logo pela manhã quando Carlos os comunicou e pela distância, os pêsames foram deixados, com tristeza, pelo telefone.
Em menos de uma hora os vizinhos e amigos souberam do ocorrido. A notícia da morte súbita de Seu Antenor percorreu rapidamente o bairro e aos poucos foram eles foram chegando e se acomodando pelo ambiente.
O caixão e a primeira coroa de flores foram providenciados pelo primo que gozava de influência com o pessoal da regional e chegaram por volta da uma e meia da manhã. Somente aí é que o corpo pode ser acomodado e devidamente ornamentado no derradeiro leito. As velas foram acesas dando ao velório a devida forma.
A despedida ao Seu Antenor seguiu pela madrugada toda. Pessoas entravam e saiam a todo momento, Faziam questão de se despedir do vizinho tão prestativo, tão atencioso e porque não, servir às condolências a viuva, dona Berenice.
O enterro foi marcado para às dez da manhã no cemitério da Penha que ficava a duas quadras dali.
Berenice, após o susto inicial, manteve-se serena durante o velório do amado esposo. Agradeceu os cumprimentos com a educação que lhe era peculiar. Ouviu os comentários benevolentes a respeito do marido com muita parcimônia, deixando um leve sorriso nos lábios como forma de agradecimento. Atendeu um ou outro telefonema de amigos perplexos com a morte de Antenor e se dispôs elegantemente ao assento preferido de sua cala. Não arredou os pés nenhum minuto da presença do companheiro.
Se contados, os visitantes passariam de quinhentos. Muitos eram os conhecidos de Antenor. Ele era uma pessoa admirável, bondosa, cheia de atributos, sempre disponível para ajudar quem precisasse. E tudo foi lembrado e dito em voz alta diante de seu corpo para que os presentes soubessem da amizade que cada um deles tinha com o morto.
Berenice, ajudada pela filha vestiu-se com um traje preto apropriado para o momento. Um vestido de tecido leve, com rendas discretas na altura dos ombros. Este lhe caia tão perfeitamente bem ao corpo, notadamente esguio de uma falsa magra. Os cabelos, secretamente mantidos negros, lisos e muito brilhantes, foram presos a um laço da mesma cor com detalhes de pérola. A maquiagem e as unhas foram refeitas rapidamente. A combinação no conjunto não poderia ter ficado melhor e contribuiu ainda mais para o rejuvenecimento de Berenice. Ninguém dizia que aquela senhora completara 44 anos na semana anterior. Sua aparência, seu charme e elegância, somados à simpatia reluzente, diziam tratar-se de uma mulher com menos idade, naturalmente para o desconforto e comentários das mulheres do bairro.
O sepultamento se deu no horário marcado e transcorreu sob chuva forte, choros e lamentações. Sem considerar o relativo tumulto que se estabeleceu na capelinha do cemitério, momentos antes do fechamento definitivo da urna.
Passado um ano do triste episódio a vida tomou rumo, tudo e todos adaptando-se aos novos tempos. Filhos e netos, levando suas vidas normalmente. Vizinhos, vizinhas e amigos com os mexericos. A confecção de Antenor foi vendida a pedido dos herdeiros - as duas fábricas e as cinco lojas da região do Brás. Os bens da família, os imóveis, os carros da coleção do patriarca a lancha estacionada em Ubatuba, tudo Berenice de Macedo passou para frente e dividiu com os filhos a pequena fortuna. Ela agora mais aprumada mudou-se para a Holanda e lá se casou com um rico empresário do ramo de telefonia que conhecera na Bahia no carnaval do ano passado, tornando-se então a senhora, Berenice von Kenkrausberg e para o Brasil nunca mais voltou.

Imagem Google

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