30/09/2012

Mensagens

Em tempos de banda larga.


Ela toda amorosa, toda cheia de saudade envia uma mensagem ao namorado, logo pela manhã:
Eu te amo, meu amor. Bom dia.  (pausa)
Sem resposta, ela insiste:
Se vc estiver sorrindo, me mande suas risadas.  (pausa) 
Se vc estiver dormindo, me mande seus sonhos.  (pausa) 
Se vc estiver chorando, me mande suas lágrimas.  (pausa)
Ele, também apaixonado e tentando ser atencioso com sua amada responde:
to no banheiro, quer que eu mande alguma coisa?

Ela:
:(   
fdp

Lost Horizon

Sonhei com um horizonte perdido.


Imaginei um lugar longe de tudo onde o ar que se respira é suave e limpo. Um lugar onde as crianças brincam em campos verdes e o som dos tiros não ecoa nos ouvidos.
Já imaginou um lugar longe de tudo onde os ventos frios não sopram? E seres vivos têm espaço para crescer e o som dos tiros não ecoa nos ouvidos, não mais.
À milhas de ontem e antes de chegar o amanhã, onde o tempo é só hoje. Um lugar aguardando ser descoberto, onde os tiros não ecoa nos ouvidos.
As lembranças vêm durante os sonhos. Devo ter ouvido essa música recentemente e sonhei com um lugar assim. Até mesmo os mais afoitos gostariam de viver num lugar assim.


Um domingo acreditando que existe um lugar assim.

29/09/2012

Dia


Eu  __Bom dia, sábado!

Dia  __Bom dia, meu amigo. Dormiu bem?

Eu  __Dormi sim. Amanheceu de bem com a vida hoje, heim meu camarada. Olha só que maravilha de dia hoje!

Dia  __Pois é, rapaz. Viu só que céu azul de brigadeiro que fiz hoje enquanto você dormia?

Eu   __Então, olha só… estou admirando, caprichou na manhã mesmo. Devia fazer isso mais vezes.

Dia  __E sol no horizonte, então. Gostou da cor?

Eu   __Muito, muito legal mesmo. Você quando quer caprichar, capricha de verdade. Parabéns.

Dia  __Obrigado.

Eu   __Podia fazer um pouquinho mais quente, um ou dois graus a mais ia ficar na medida certa.

Dia  __Podia, mas achei melhor assim. Combina mais com saída de inverno e início de primavera. Bobeei no inverno este ano, aqueci demais e reclamaram, preciso compensar agora. Esqueci da chuva em agosto e em quase todo mês setembro em São Paulo. Me desculpe.

Eu   __ Pois é, mais parecia verão. Mas compreendo a situação. Está difícil, não está. O pessoal aqui não colabora muito. Lixo pra caramba, pra tudo quanto é lado, muito asfalto, cimentados. Impermeabilizaram quase toda a cidade. Pouca terra, muito gás, fumaça.

Dia  __De fato, assim vocês dificultam meu trabalho.

Eu   __Verdade, deu bobeira geral. Não estão cumprindo a parte de cada um.

Dia  __Então. Avisa a turma aí, mais cuidado com vocês mesmos. Se continuarem assim, não sei não.

Eu   __Vou alertar, meu camarada. Meio difícil, mas sempre tem alguém que me escuta.

Dia  __Olhe só - aqueci um pouquinho mais enquanto conversávamos. O que achou?

Eu   __Amigo, você é dez mesmo. Ficou melhor ainda este amanhecer.

Dia  __Valeu! Se cuida, bom te ver.

Eu   __Valeu parceiro. Bom te ver também. Tenha um bom dia.

Dia  __Bom dia.



27/09/2012

Joana Fiel

Joana com seus vinte e poucos anos era casada. Não tinha filhos e tão pouco pretendia te-los, embora o marido insistisse para uma prole. Ela argumentava a quatro cantos que era jovem demais para pensar em ser mãe, não queria compromissos com fraudas de espécie alguma. Talvez no futuro - quem sabe.

Conheceu Leandro que hoje é seu marido de 28 anos de idade, três anos atrás e por ele se encantou. Ambos se apaixonaram logo num primeiro momento. Leandro não era de São Paulo, nasceu e morou em Santo Antonio do Horizonte e estava por aqui fazendo um curso de mecânica de aviões e num intervalo de aulas saiu para o almoço quando conheceu aquela que seria sua amada esposa. Cruzaram os olhares numa travessia de pedestres da Avenida Paulista esquina com a Brigadeiro Luis Antonio e ambos voltarem-se de imediato um para o outro esboçando sorrisos incontroláveis. Ela de branco num vestido curtíssimo e decote arrojado e ele de jeans claro, tênis um pouco surrado e uma camiseta azul ligeiramente amarrotada. O dia ensolarado com uma leve briza vinda da região de Higienópolis, faziam com que os cabelos loiros, lisos e longos de Joana esvoaçassem pelos seus ombros descobertos que mostravam a pele bronzeada de praia recente. E os levemente ondulados e acastanhados de Leandro, totalmente desalinhados, precisando de um bom corte, lhe davam o charme de um garoto de interior - tímido e potente ao mesmo tempo.
Um ano e meio depois estavam casados e vivendo em São José dos Campos. Leandro conseguiu um bom emprego na Embraer, seu sonho de menino. Passou no concurso em primeiro lugar e prá lá mudou-se com sua Joana.
Ela, além de simpática e  articulada, sempre foi dona de uma sensualidade inigualável. Não haveria aquele que não torcesse o pescoço pela charmosa garota. Sim, Joana era do tipo que quando se vê os olhos  ficam mais vivos e desobedientes que percorrem toda a escultura feminina descaradamente. Há quem diga até que Joana lembrava uma periguete. Um pouco mais discreta, talvez, mas que lembrava, lembrava sim.
Leandro sentia ciúmes e não entendia bem o motivo de Joana vestir-se daquele jeito, mas confiava nela. De temperamento forte ninguém controlava aquela loira de lábios de mel. Nem mesmo o pobre Leandro.
Na rua onde moravam a fama de biscate ela ganhou rapidamente. Do açougueiro ao quitandeiro, passando pelas maricotas que toda vizinha tem, todos comentavam. E o coitado do moço, mal falado também ficou na história. Inevitável isso.

Imagem Google
Pouco tempo depois Leandro foi promovido e teve um bom aumento de salário que beirou os 47% e mais um bônus, uma espécie de prêmio de relevância, equivalente a cinco salários seus. Uma bela grana que iria direto para a poupança do casal.
Seu chefe, um engenheiro de carreira e antigo funcionário da empresa, conhecido como Dr Luiz ou simplesmente, Luizão, e para os mais íntimos ainda, na brincadeira chamado de tripé, um senhor de 53 anos, negro forte de 1.95m de altura que esbanjava saúde pelos cabelos bem aparados, reconheceu em Leandro um jovem promissor na área de construção de aviões e a ele ofereceu o cargo de supervisor na linha de projetos de motores propulsores. Era sem dúvida um salto financeiro na vida de Leandro e Joana.
O turno de trabalho a partir de então passou para as madrugadas. O marido saía de casa por volta das oito da noite e retornava somente lá pelas sete e meia da manhã, bastante cansado.
Foi difícil para Leandro e Joana adaptarem-se ao novo horário, mas ela sempre forte deu todo apoio ao marido - um vencedor, dizia ela.

Três anos se passaram e a vida seguia normal. Leandro trabalhando muito, dedicando-se às tarefas na empresa e Joana em casa, toda feliz, linda e sempre atraindo a atenção dos homens pela sensualidade natural, mas servindo ao marido como atenta dona do lar. Leandro ainda um pouco incomodado, porém cada vez mais convicto da fidelidade da esposa.
Até quando ela anunciou a gravidez numa manhã, logo quando Leandro chegou do trabalho. Um filho dele ela teria finalmente. Leandro comemorou, brincou, bebeu e rolou no chão com tanta cachaça. Ele não era dado a bebidas, mas a ocasião exigia a comemoração. Agora sim poderia dizer que Leandro era um homem completamente feliz. Daria Joana a ele um filho que sempre sonhou ter. Seria um menino, talvez o primeiro de uma série deles. 

Nove meses depois num hospital bem aparelhado e cercado de toda uma estrutura médica, um menino robusto, gordo, muito forte nasceu. Marcava a balança quando nela foi posto, quase cinco quilos. Pele clara, alva, de cabelos escuros, encaracolados, nariz achatado, lábios grossos, olhos muito negros, diferentes dos azuis da mãe e castanhos claros do pai. Teria puxado do avô materno que Leandro não conhecera disse Joana ao pai embasbacado de alegria. E, ufa! o bebê veio ao mundo com um membro espetacularmente enorme e já enrijecido.
O pai todo orgulhoso em meio a euforia soltou a pérola - olha querida, isso ele não puxou de mim não. Deve ser do avô também!

Dois meses depois o Dr Luis com a esposa foram convidados para serem os padrinhos de batismo do pequeno e musculoso garoto e de tão agradecido pela oportunidade na carreira, em homenagem ao chefe, Leandro ainda deu o nome de Luis ao filho tão esperado. E claro, com todo apoio de sua amada e fiel esposa, Joana. 

26/09/2012

Lembrança de aniversário

Se a Maria estivesse entre nós, hoje ela estaria completando 83 anos. Minha sogra, mãe da Rita, minha mulher e amiga há quase 35 anos.
Faço questão de deixar registrado aqui minhas lembranças dos bons anos em que convivemos. De tantas passagens, alegres, difíceis e surpreendentes. Uma pessoa querida que me tinha como a um filho.
Deu saudades agora. Espero que esteja em paz Maria e até o dia do nosso reencontro, distante em tempo pra mim, mas breve para o infinito. Parabéns e eternos anos de vida.

Pasteurização

Alguém se importa? Eu me importo não me importando. Na verdade me incomodo. Mas acompanho.

Transcrevo aqui o último resultado da pesquisa de intenção de votos para prefeitura da cidade de São Paulo. Mais para o registro no Blog do que propriamente com a preocupação em divulgar a informação. Até porque a mídia em geral vem fazendo com eficiência e claro, seguindo conforme a natureza e interesse de cada uma delas. 
Registro os dados para meu arquivo aberto, como venho guardando em arquivo fechado, por enquanto, as promessas de campanha dos candidatos com maior probabilidade de vitória - Russomano, Haddad, Serra e Chalita. Observo dois outros mais distantes que chegam a ser exóticos - Levy Fidelix que é pura brincadeira e tira partido de seu estilo e o Giannazi que parece ter vindo do tunel do tempo, lá do final dos anos sessenta com um discurso estudantil pra lá de antiquado. A Soninha me parece sincera, tem ideias arrojadas, mas ela sabe muito bem que o paulistano, extremamente conservador, dificilmente a elegeria para um cargo executivo e eu pessoalmente duvido que na condição de eleita não teria que se render aos conchavos - alianças, como preferem os técnicos, com partidos radicalmente opostos na campanha e isso, óbvio, em pró de uma governabilidade. A gente sabe como são as coisas, assistimos pasmos tantas outras vezes as tais alianças. Passado o dia 7/10, após o primeiro turno, os dois partidos escolhidos pelo voto democraticamente popular, buscarão nos derrotados as tais alianças e dai se inicia a combinação e o ciclo se retoma, vem o toma lá da cá. Que raio de democracia é essa? Se atacavam dias antes e sobem no mesmo palacanque dias depois diante de nós que assistimos tudo e ainda aplaudimos em pé com bandeirinhas nas maos. Será ação da divina Luz?
Venho acompanhando os debates pela TV - quatro até agora - Band, RedeTV, Cultura e Gazeta e na medida em que eles vão acontecendo, aproximando-se da data da eleição, o comportamento de cada um deles fica mais e mais pasteurizado, estranhamente equilibrado. Maquiados, parecem que falam para a câmera olhando em nossos olhos bem fundo, lendo nossos pensamentos, falando tudo aquilo que gostaríamos de ouvir e que fizessem de verdade. Comportam-se como não humanos, lembram nem sei o que. Observem.
Pra quem pretende anular o voto como eu por absoluta falta de confiança e esperança, não somente nos candidatos, mas especialmente no sistema como um todo, tenho até que me dedicado ao acompanhamento. Me esforço, acreditem, mas me decepciono. Mais uma vez, nada. Nada de nada aproveitável.
Não é fácil anular um voto ou não ir até a urna em dia de eleição. A sensação é horrível, fico deprimido. Imagino que imigrantes ilegais devem sentir a mesma coisa.

Imagem - Uol

23/09/2012

Abaixo da Linha do Equador

Em tempos de Google, Facebook, emails, Instagran e tantos outros, a boa e velha carta escrita à mão, dobrada com cuidado para ser guardada no envelope e selada para seguir destino, pode surpreender. Nostálgica, mas ainda eficiente.

Imagem Google
Ernesto pegou o envolepe na caixa do correio. Não era seu costume, mas percebendo a portinha entre aberta, o fez. Não era daqueles impressos automaticamente, do tipo que contenham boletos bancários ou propagandas oferecendo produtos diferenciados a preços irresistíveis. O nome e o endereço do destinatário foram escritos à mão e com jeito de letra feminina. O volume da correspondência fazia o envelope ficar gordo, pelos menos umas três folhas dobradas faziam o recheio. Dava pra sentir.
Instintivamente o colocou por dentro do bolso do paletó e entrou na casa. Cumprimentou Daiana, sua jovem esposa nascida em Maceió e seguiu para o quarto. Lá, ansioso pegou a carta, confirmou o nome do destinatário e em seguida procurou no verso quem era o remetente. Um nome estranho não identificado com  endereço menos ainda:

João Antonio da Cruz - Rua 14, número, 6 - Fundos - Carapicuiba, SP. CEP 040320-4.

O carimbo dos correios sobre os selos correspondia à região do envio.



__ Ernesto!  Daiana gritou da cozinha.
De pronto, num súbido e sonoro Oi, Ernesto respondeu ao chamado.
__ A janta está na mesa, amor, vem logo se não esfria!
__ To indo, meu amorzinho, desço já.

Decidiu então abrir a carta somente após o jantar, Daiana poderia desconfiar caso o conteúdo não pudesse ser revelado. Algo dizia a ele que encrencas estariam por acontecer e de certo o comprometeriam. Após ao jantar ou mesmo na manhã seguinte, longe de casa. Sorte sua a mulher não ter procurado a caixa do correio e mais sorte ainda ele ter feito isso, coisa de Deus, pensou.

O jantar foi servido e apreciado com os elogios de sempre. Daiana apesar de jovem, apenas 20 anos e já com dois de casada, tinha a mão para a culinária, conta ela que é provável genética materna. Preparou para o marido um arroz e feijão, aromatizado com folhas de louro que davam à fragrância mais estímulo ao apetite. Um refogadinho de abobrinha com carne moída de segunda, dois ovos fritos com gemas moles e a salada de alface com tomates e  rodelas de cebola complementavam o cardápio.

__ Meu amor, parabéns! Você cozinha como ninguém. Nem minha mãe faria uma comida tão saborosa como essa. 

Era tudo o que Daiana gostava de ouvir para sentir-se envaidecida. Ernesto, seu marido de 42 anos era um sonho materializado, um homem digno, respeitador, trabalhador e muito honesto e tudo a ele fazia com satisfação e com uma espécie de gratidão. O casal vivia como dois pombinhos apaixonados, apesar da diferença de idade eles pareciam dois jovens adolescentes em eterno namoro.

Ernesto escondia a apreensão durante o jantar. A correspondência tinha-lhe tirado o sossego, mas a maturidade e o talento para dissimulação faziam dele um perfeito ator de tal forma que ela jamais teria como perceber. O frio na barriga vinha-lhe em arremedos obtusos, impulsos nervosos quase descontrolados seguidos por afoitos pigarros como engasgado estivesse que provocavam uma vermelhidão em seu rosto esguio, de nariz fino e projetado disfarçados pelo bigode extenso e com barba por fazer.

__ Coma devagar, meu amor. Você está cansado de tanto trabalhar, procure relaxar, meu bem.

O tempo passou e uma hora depois já com o estômago cheio, Ernesto conseguiu trancar-se no banheiro com a desculpa de um repentino desarranjo. 
Pegou o envelope que escondia na cueca, acomodou-se no vaso e em silêncio tentou abrir a carta. Estava bem colada e decidiu ansioso rasga-la pela lateral. Dentro continha três folhas dobradas e uma fotografia colorida meio desbotada. Fixou-se na foto reveladora, altamente comprometedora, que por si só fez com que Ernesto soltasse um descarrego volumoso e um gemido consideravelmente alto e também o petrificado:

__ Puta que o pariu!

Três folhas com letrinhas miúdas, suavemente escritas, com as palavras bem distribuídas nas linhas pautadas em azul das folhas de papel de caderno escolar que davam ao texto o tom perturbador e  ameaçador de quem as escreveu, claramente com todo o ódio do mundo, mas com muita segurança. E a fotografia que mostrava uma cena bucolicamente familiar com ele e outras três pessoas, que por si só já era a prova indelével do crime. A caligrafia e a assinatura ele reconhecera de pronto, não era de outra pessoa se não a de Maria da Glória Abrantes, sua mulher, conhecida pelo apelido de Suzete que há três anos fora deixada em Venâncio, cidadezinha do interior do Rio Grande do Sul, quase divisa com o Uruguai e com promessas do marido fiel, trabalhador e sonhador, de quem o quanto antes, o mais rapidamente possível iria receber um bom dinheiro para a viagem de reencontro da família. Para ela e os os dois filhos pequenos - um de 12 anos, Ernesto Dorneles Abrantes Filho e o outro de dez, Gilson Dorneles Abrantes, dessa forma pudessem pegar um avião e seguir viagem em busca de uma vida melhor em Barcelona, onde ele estaria já com um bom emprego e bem instalado para recebe-los. Esse era o trato.

Bígamo e traidor, fora descoberto. Ernesto quando chegou em São Paulo conheceu Daiana numa loja de produtos eletrônicos da Rua Santa Efigênia onde foi trabalhar como contador, quando se apaixonou por ela. Fez que fez até conquistar a confiança da inocente garota de 18 anos de idade, sobrinha do dono do bar vizinho onde almoçava todos os dias e com ela se casou meses depois utilizando documentos falsos que conseguira através de um amigo boliviano que conhecera recentemente. Adotou a partir daí o discreto nome de Luis Abrantes de Moraes. E não foi difícil convencer a mãe de Daiana, cozinheira do bar, que rendeu-se quase que de pronto diante dos apelos convincentes do futuro genro e também pelas boas perspectivas financeiras que ele insinuava à sogra na carreira promissora de contabilista.

Ernesto, agora Luis, ao se casar exigiu que Daiana parasse de trabalhar. Seu bom salário daria para ambos viverem muito bem. Fariam ao menos uma vez por ano, nas férias dele, viajens pelo mundo. Daiana sonhou a vida toda conhecer o mundo e Barcelona seria a primeira cidade que o marido iria leva-la para conhecer.
Ela, então dona de casa e com as tardes livres encontrou na internet um passa tempo confiável e criou um email, sua página no facebook onde postou sua foto com o lindo e dedicado marido, postou fotos do ambiente familiar, fotos da mãe, da tia, de antigas amigas. Postava quase que diariamente comentários da vida feliz de casada, dos filhos que teria com Luis no próximo ano e tantas outras coisas.

No universo de amigos anônimos dos sites de relacionamentos, Daiana conheceu Suzete, uma gaúcha muito simpática, casada e com dois filhos pré adolescentes, cujo marido se encontrava em Barcelona trabalhando para garantir o futuro da família e com ela fez uma intensa amizade virtual. Embora a diferença de idades entre elas fosse consideravelmente grande - uma com 38 anos e a outra com apenas 20, elas se tornaram muito confidentes, boas amigas de tardes alegres regadas ao café com bolo de fubá.

Dois meses depois Ernesto mudou-se às pressas para La Paz. Conseguiu com o velho amigo David, o boliviano da Rua Santa Efigênia, novos documentos e um emprego na agência dos correios local. Esperava ele, agora com o nome de José Garrido Valadares, numa cidade onde a banda larga é mais estreita, encontrar a paz em definitivo.
Se dispôs a ser feliz para sempre ao lado de Malenga, uma peruana de seios grandes, de apenas 19 anos de idade, cujos pais, um equatoriano e uma venezuelana, assassinados dois anos antes de se conhecerem por traficantes colombianos quando atravessam de barco, numa calada noite de lua cheia o rio que corta o Brasil, Argentina e o Paraguai.

Suzete e Daiana se conheceram pessoalmente quando tempos depois a gaúcha, deixando os filhos provisoriamente com os avós maternos, seguiu para São Paulo e da simpatia, carinho e afeição da jovem alagoana para sempre o convívio ela compartilhou e sempre regado por boas garrafas de vinhos chilenos.

E tudo terminou bem, como num clique bem salvo.


22/09/2012

Two Of Us


1969 e 1970. A música foi gravada antes, mas lançada depois, no último disco.


Dois de nós dirigindo em lugar algum, gastando o pagamento difícil de alguém. Você e eu dirigindo no domingo, não achando nosso caminho de volta para casa. Nós estamos em nosso caminho pra casa, nós estamos indo pelo nosso caminho de casa.
Dois de nós enviando cartões postais, escrevendo cartas em minha parede. Você eu queimando fósforos, levantando ferrolhos em nosso caminho de volta pra casa. Nós estamos em nosso caminho pra casa. Nós estamos indo pelo nosso caminho de casa.
Você eu temos memórias mais longas que a estrada que se estica adiante.
Dois de nós vestindo capas de chuva ficando bem abaixo do sol. Você e eu perseguindo papel, pegando lugar nenhum. Em nosso caminho pra casa. Nós estamos indo pra casa.
Você e eu temos memórias mais longas que a estrada que se estica adiante.
A música Two of us, aparentemente não fazia sentido. Parecia mais uma cantiga falando de brincadeiras de crianças pelas ruas ou de namorados apaixonados passeando pelo parque. Era assim que se dissimulava. 
Na verdade sempre achei que a música fazia uma paródia dela mesma, uma brincadeira de usuários de marijoana.
Cuidado, podem desconfiar. Assobia John!

16/09/2012

Menos um!

Mais uma cobertura na TV, mais um evento. Ou como diria um amigo - menos um.


A caminho de mais um evento ou de menos um. Só sei que o trabalho é intenso e quando a gente vê que o idealizado está se concretizando, dá um pouquinho de orgulho. O velho frio na barriga que nos acompanha nesses períodos se apresenta afoitamente, dizendo - Olá, como vai? Olha eu aqui outra vez. 
Se pudesse contar as vezes em que estive envolvido com essas coisas, perderia a soma. Está no sangue e quando o sangue é quem manda a gente não comanda, a gente faz. Faz e se diverte fazendo.


E vale a pena. E como vale a pena. Sempre vale a pena. Meses de planejamento, nas mais diversas áreas e quando elas se encontram no dia marcado, o conjunto bem combinado traz a sensação de segurança.


É cedo para cantar ainda, faltam dois dias, mas contemplo aqui a alegria de estar presente e atolado até o pescoço com o compromisso de fazer o melhor, acompanhado de mais de duzentas pessoas com o mesmo propósito. Todas com olhinhos brilhando, determinadas, doando-se um pouquinho mais.


No palco vazio depois de um dia duro de testes me peguei olhando para o nada, pensando por segundos que mais pareceram horas, dias ou meses e as lembranças vieram aos montes. Fiquei sozinho por uns instantes. O peso veio às costas e tudo veio à tona. Todos os intensos momentos vividos em tarefas semelhantes, sem sequência alguma de tempo, passaram pela cabeça. Senti saudades, senti confiança, senti um punhado de alegria. Lá no fundo agradeci a oportunidade de estar participando outra vez. E como disse, ainda é cedo. Mas dá pra sentir que tudo vai dar certo.

Depois de segunda, 17 de setembro, volto aqui para comemorar pra dai sim dizer em definitivo: menos um!


Até lá, então.

09/09/2012

Manhãs

__ Tarde!
__ Tarde, cumpadre.
__ Firme?
__ Não, não… é futebor…

Por aqui amanhece o dia e parece que vai ser mais um daqueles quentes, embora pelas manhãs o friozinho faz com que a gente vista um casaco. Aliás o inverno em São Paulo este ano não vai ficar marcado como um dos mais frios. Agosto não choveu e fez sol forte elevando as temperaturas praticamente todos os dias. 
Diferente de estar numa cidade grande as primeiras horas do dia numa cidade pequena do interior, ouve-se muitos passarinhos cantando, contemplando os primeiros raios de sol, animais da noite se recolhendo, uma ou outra voz humana que vem de longe e a variação de sons é enorme, parecendo até uma orquestra antes de uma apresentacão. Não há uma organização nesses sons, eles vêm de todos os cantos e o conjunto faz a harmonia um espetáculo. 


Nas manhãs os sons, o clima, o ambiente, a luz natural, tudo faz com que nosso espírito se equilibre e nada melhor que saborear tudo isso, acreditando que amanhã teremos mais. É uma abundância de prazer.
As coisas mais ricas são simples e estão à disposição pra quem quiser, bem à nossa frente. Respirar e estar vivo nos dá esperança.

Do alto não existem segundas feiras.

07/09/2012

O Berro

Independência ou Morte - Quadro de Pedro Américo

Hoje é feriado no Brasil. Comemora-se respeitosamente sua independência do reino português que na época se restabelecia de invasões napoleônicas, cuja corte, tão logo retornara de sua filial além-mar, reassumia o reinado em seu próprio reino. 
O fato se deu depois de muito diz-que-diz e com um grito agudo de Pedro, filho de João o rei, quando este retornava de Santos com sua comitiva, logo após ser abordado por um mensageiro afoito que lhe entregou uma carta deixando-o furioso por demais. 
Ele, que seria o primeiro, cansado e irritado pela caminhada intensa em meio à mata atlântica, pois, óbvio, não existiam ainda as rodovias Imigrantes e Anchieta e nem mesmo a estrada velha de Santos, perdeu a paciência e mandou todo mundo às favas. Havia recebido, Pedro, estímulo de um Boni, o intelectual da gestão, não o da Globo, mas o original, José Bonifácio, o que se tornaria para história como "o patriarca".
Pedro Américo retratou a cena anos depois com todos os presentes à beira do riacho do Ipiranga. Bem alinhados, vestidos à rigor, como que cheirando à perfume francês, numa composição de palco em um teatro clássico.
Em Portugal o rei não entendeu nada. Não compreendeu o que filho rebelde proclamou. A notícia lá chegou somente meses depois, afinal, o email e torpedos digitais seriam reais somente no século vinte e um. Nos dezenove, nada além das cartas que seguiam por caravelas ao vento navegavando pelos mares de forma desbravada.
Provavelmente o pai enviara a resposta indignada também por carta e que aqui chegara, sabe-se lá quando e possivelmente num trecho se leria:
__ Pedro, raios que me partam! O que fizestes, filho de uma rapariga mal-amada com um jumento manco? Não sejas o primeiro dai, seu bosta! Venhas para cá e se tornará o sétimo na linhagem, pois mudo-lhe o nome para João, assim como eu, ora pois… e daqui reinará os latifundios do norte e do sul. Gajo estúpido comedor de mulatas. Tanto és confuso que seu filho, o segundo, ficará na história com cara de como fosse seu pai. Que merda causastes, Pedro mula! Independência ou morte o caralho!
Não deu tempo e a independência se consagrou nas terras do pau-brasil, do ouro, da esmeralda e da cana de açucar e do etanol. De fato a comunicação era por demais lenta naquela época. Tal e qual lenta é a telefonia e a banda larga nos dias de hoje.
E a partir de então, o Brasil cresceu e tornou-se uma potência econômica, segundo o PT, livre e independente de agruras. De um povo alegre e sorridente. Que tem a melhor educação. Que se tornaria, em menos de dois séculos, penta campeão do mundo. Que desenvolveria um gosto profundo pelo carnaval, pela malandragem, pelos feriadões, pelos pagodes e sertanejos universitários, além de pagar impostos altíssimos recebendo em troca miúdos de esmola em forma de cestas básicas e planos de saúde perversos. Um povo que adora votar,  elege com satisfação pessoas que enganam na maior safadeza, que até adquirem aos dezoito, um título - eleitor, com número de zona e tudo o mais.

Viva, Pedro, o primeiro! Que teria o dom de fazer o segundo, que traria este o trem e a fotografia à terra da alegria. Que seria deposto e exilado com a família para as terras do avô. Abrindo espaço para os primeiros militares alucinados, que deixariam o poder para os fazendeiros do café num movimento ganancioso. Que daria chance para um gaúcho pequeno e de cara sisuda se tornar rei em terra de imperador de macucos. Que alimentaria o sonho de um adamantino para a criação de uma nova capital em planalto central, onde se instalaria a sede da corrupção nacional. Que depois outros tantos fardados, estes mais alucinados, lá ficariam por duas décadas sentados, deixando o barco depois aos latifundiários do norte, aos empresários e intelectuais do sul, a um operário da caatinga e em seguida a uma ex com nome búlgaro.

Centro e noventa anos de liberdade se comemora por aqui. Acho que é por isso que muitos festejam o feriadão nas praias, talvez tentando dessa maneira ver se alguma caravela por aqui aporte de repetente, trazendo containers de respostas um pouco mais sensatas. 

Trata-se aqui de uma brincadeira comemorativa, bem ao gosto do brasileiro.  Sabe o bem informado que a emancipação política do Brasil foi articulada e bem articulada pelo próprio Dom João VI. O homem era astuto e pressentiu o inevitável - a independência nos países do novo mundo era questão de tempo e nada melhor que deixar seu próprio filho como o imperador em terras verdes amareladas. Talvez só não pressentisse com a mesma exatidão o que viria depois. É uma pena.

Bom feriado.

01/09/2012

Ao hipócrita ou Simpatia ao Demônio (tanto faz)

Quem? Quem?

Deram o nome de Lúcifer ao bebê que nasceu em Santo Alto, interior de Sergipe ou Rio Grande do Sul ou do Norte, não se sei ao certo. O nome surgiu da junção dos nomes do pai, Lucimario e da mãe Ferdinalva. É comum em algumas regiões do hemisfério sul. 

Menino sadio, gorducho e com olhos negros profundos, esbugalhados que mal cabiam no rosto de bochechas arredondadas e pesadas. Até os dentes nele nasceu no sétimo dia, quando o céu de tão escuro meia noite parecia quando na verdade era meio dia.

O padre pelo nome não batizou, a freira se escondeu e o da macumba só cantou. Mas a parteira de pai ateu assimilou e com reza estranha o abençou. Os vizinhos se entre olharam e ao pé d'ouvido também falaram: que raio de nome é esse Zé... é dus demonius?

No cartório o escrivão desdenhou, resmungou, não acreditou, mas teve aos poucos e aceitou - Lúcifer dos Santos assim o registrou.

A igreja não comunhou, a beata não deixou. O pai tentou mudar o nome, mas o prefeito rejeitou.

Aos cinco sabia ler e escrever, aos dez ensinava matemática, física quântica, química e biologia. Quando aos quinze apresentou tese contestando a teoria da relatividade. Na revista cientifica mundial ela apareceu. Matemáticos do mundo, aplausos a Lúcifer concedeu. Aos dezoito, na maior-idade falava mais de cento e oitenta e três línguas diferentes e centenas e centenas de dialetos dos quais alguns assinalados já como mortos. Depois dos vinte e dois conhecia todas.
Veio determinado a dominar o mundo e conquistou. E na luta se embrenhou. Lúcifer dos Santos, presidente se tornou. De um país, por sete anos, depois outro e mais outro. E o mundo todo o adorou. Rei das guerras, dos tempos de paz e da fome. 

Construiu castelos e muitas damas cortejou e nelas filhos ele deixou. Escreveu as leis com tinta transparente em papel de luxo.

No Livro da Ordem a introdução assinalou: 
"Por favor, me permita que me apresente. Sou um homem de riquezas e de bom gosto. Estive por aí por muitos, muitos anos e roubei a alma e a fé de muitos homens. Estive lá quando Jesus Cristo teve seu momento de dúvida. Certifiquei-me de que Pilatos lavasse suas mãos e selasse seu destino.
Prazer em conhece-lo e espero que adivinhe meu nome. Mas o que está te intrigando é a natureza do meu jogo, não é?
Eu também estava por perto de São Petersburgo quando vi que era a hora de uma mudança. Matei o Czar e seus ministros. Anastácia gritou em vão.
Montei em um tanque e mantive a posição de general quando a guerra relâmpago estourou e os corpos federam.
Prazer em conhecê-lo e espero que adivinhe meu nome. Mas o que está te intrigando é a natureza do meu jogo, não é? Quem? Quem?
Assisti com alegria quando seus reis e rainhas lutaram por dez décadas. Pelos deuses que criam a todo instante  Quem? Quem?
Grito alto - quem matou os Kenedys? Quem derrubou as Torres? Quem descobriu o Brasil,  quem criou a Telefonica,  TIM, VIVO, CLARO, OI, o Facebook e o Google? Quem criou a convivência entre riqueza e miséria e o que ela representa?  No final, sabemos quem - fui eu e você.  
Deixe-me conhece-lo e apresentar-me. Sou um homem de posses e de bom gosto. Deixei armadilhas para os trovadores que acabaram mortos antes de alcançarem suas amadas. 
Prazer em conhece-lo, espero que tenha adivinhado meu nome. O que está te intigrando é natureza do meu jogo, eu sei. Isso, divirta-se, meu bem! O que está te confundindo é a natureza do meu jogo. 
Assim como todo político é um criminoso e todos os pecadores são santos, me chame simplesmente de Lúcifer. Porque só o que preciso é de uma amarra e você a tem. 
Então, se me encontrar tenha alguma cortesia, tenha simpatia e tenha-me de bom gosto. Use toda a educação bem aprendida ou eu vou jogar sua alma no lixo"     
Adaptação impulsiva - Sympathy for the Devil - Rolling Stones
Jamais espere alguma coisa de mim, só tenho atenção para sua alma. Se desprenda e ela será minha. Você está com um pé aqui e outro lá.
Encerrou com essas palavras seu livro santo.



Yes

Holanda em 2001. The Gates of Delirium.



Ouvi essa banda pela primeira vez em 1970 numa tarde domingo na casa de amigos.