14/05/2013

Deixe rolar.

Acordar e logo pela manhã pensar no que fazer para terminar o novo dia feliz, significa angustia ou esperança?
O comercial na TV perguntou: o que você faz para ser feliz? Eu respondi para mim mesmo: não sei, nunca pensei nisso. Acho que a gente não tem que se esforçar para ser feliz, seria excesso de tolerância, quase uma estupidez tentar encontrar a felicidade. Carregamos naturalmente a vontade de estar sempre de bem e quem não faz isso, a cicuta nas vísceras parece ser a melhor saída. 
Foi pensando dessa forma que Oduvaldo começou o dia. Depois de lavar o rosto e tirar o hálito seco da boca, penteou-se alinhado os cabelos para o lado direito. 
Parou diante do espelho e por algum tempo notou as rugas que silenciosamente cresciam pelo rosto, como serpentes famintas. Pela testa elas faziam avenidas, próximas aos olhos pareciam monstros aglomerados. 
Aos 48 anos sentiu-se no corpo de outra pessoa. Não, não era ele, não podia ser ele. Os fios de cabelos brancos insistiam em não se esconder, já não bastava arrancá-los um a um, mesclavam-se pelos castanhos escuros, levemente ondulados, contribuindo ainda mais para o não reconhecimento de si mesmo.
Notou a curvatura nas costas e os ombros caídos. A barriga ele encolheu, mas mesmo assim a forma de bola continuava. Lembrou-se dos tempos da natação e do do futebol, ergueu-se rapidamente, também os ombros, virando-se de um lado para o outro assustado diante do próprio reflexo. A postura é tudo para mostrarmos aos outros como estamos. Esboçou por segundos um sorriso apático.
Olha esse pescoço, parece estar sobrando pele. A barba por fazer me deixa carrancudo e essas sobras de pele sobre os olhos que alcançam as lentes dos óculos, de onde elas vieram? Acentuam ainda mais a aparência de um homem cansado. 
Virou-se e equilibrou-se sobre a balança do banheiro, fazia tempo que não se pesava. O ponteiro alcançou uns sete ou oito quilos a mais do que imaginava. Era o caos da depressão. Por isso que as calças estavam justas, os botões estouravam quase todos os dias. Bem que a mulher vinha avisando. Definitivamente Oduvaldo acordou de mal humor.

O dia se foi como outro qualquer. Amargo.

No dia seguinte Oduvaldo acordou mais cedo e diante do espelho cumpriu a rotina, só que desta vez notou-se mais bonito. Os cabelos brancos lhe caíam bem e combinavam com as feições de homem experiente, pensou ele. Entendeu que deveria cuidar-se para manter-se em forma.

O dia seguiu como outro qualquer. Oduvaldo deixou rolar e foi feliz nesse dia.



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