12/08/2012

My father in the sky with diamonds and Jawa

Meu pai nunca fez música pra mim, nem cantou cantigas de ninar. Ele era do tipo quietão e meio tímido e não era dado aos afagos. Isso era coisa de mulher. Manisfestava seu amor pela família - sua esposa e seus dois filhos com a presença constante, fiel e silenciosa. Em cinquenta e seis anos nunca ouvi meu pai gritar, quando muito ouvi soltar um ou outro palavrão com fala de gago, pois assim ele ficava quando estava muito nervoso. 
Trabalhava muito se esforçando pra não deixar faltar nada em casa. Comida e estômago cheio eram suas prioridades pra família. Às vezes não conseguia, a vida era dura, mas mesmo nessas ocasiões ele não reclamava, fazia. Dava um jeito e conseguia mais alguns grãos de feijão para os buchos dos seus protegidos.
Meu pai era um artesão, mecânico de mão cheia. Inteligente e com visão espacial como poucos. Sabia fazer de tudo, de projetos de engenharia civil e mecânica num pedaço de papel qualquer a cadeiras de aço e mesa de fórmica. Inventor nas horas vagas, criava objetos, peças, instrumentos. Meu primeiro projetor de filmes foi ele quem fez. Na verdade era um de sildes - uma caixa de metal com uma lâmpada dentro e um tubo deslizante à frente com uma lente na ponta, onde por ele eu ajustava o foco na projeção. Pra mim aquilo era um sonho. Eu fazia desenhos em tiras de papel vegetal com personagens e estorinhas que eu criava. Rabisco até hoje as caricaturas quando estou ao telefone. Cheguei a ganhar alguns tostões nas sessões de cinema de domingo a tarde e fiquei orgulhoso uma vez quando comprei um litro de leite para o café com leite num domingo a noite.
Meu pai sempre dizia que a gente tem de aprender a ganhar dinheiro de forma justa, com trabalho e jamais se apropriar do que não é seu. O seu, dizia ele, só é seu quando você compra com dinheiro que fez por merecer, com suor que molha a camisa. 
Essa frase traduz bem como o via, como tenho na memória a sua personalidade - honesto, correto e muito orgulhoso. Orgulhoso de ser um homem livre, de não se deixar levar por vaidades. De não se curvar ao mais fácil.
Não era um mestre nas palavras, praticamente um semi analfabeto como a maioria foi no seu tempo. Ri muito quando li o que escreveu em letra corrida e mal organizada num bilhete deixado sobre a mesa - cortei o dedo e fui no ospitau.

Foto disponibilizada no Google
Apesar de ser tímido era risonho e gostava de contar piadas que ele mesmo criava. Ele ria das próprias piadas. Muitas vezes só ele ria e eu sentia uma ponta de vergonha, quando as pessoas falavam que o Romeu era um tonto e isso hoje me aborrece quando lembro. Sentia vergonha quando ele me dava carona em sua velha motoclicleta, acho que era uma Monark Jawa da década de 50, bordô e com uma parte do tanque de gasolina cromado. Enquanto os colegas chegavam a pé ou de carro com os pais mais afortunados, eu descia da garupa de cabeça baixa e pedindo a ele pra que me deixasse uma rua antes, mas ele insistia em parar bem em frente ao portão para facilitar a minha chegada. Idiotice a minha.
Somente anos depois fui me dar conta de sua sabedoria. Eu adulto, embora ainda jovem e já casado e com três dos quatro filhos que tenho hoje, chorei copiosamente. Chorei escondido por dias e dias e por meses seguidos. Foi um período difícil de identificação de valores. Minha vida, desde a mais remota lembrança veio à tona. Rastreei passo a passo, dia após dia, ano após ano da minha vida. Passei a idolatrar meu pai, compreender o significado do que fez e como fez por nós, minha mãe, meu irmão e eu.
Sozinho, sem deixar ninguém perceber a fragilidade em que me encontrava, chorava e me arrependia por nunca ter manifestado a minha admiração, de não ter agradecido até então pelo quanto ele se esforçou para nos ensinar, mesmo sem palavras e frases gramaticamente corretas,  mas com atitudes, compreendidas agora como nobres.
Vejo os meus filhos e minhas netas com traços da personalidade dele. Sinto orgulho.

Hoje ele vive no céu com os diamantes e provavelmente passeando com sua Jawa 58. Quando eu for pra lá quero pegar uma carona, na garupa agarrado à sua cintura e feliz por ele ser meu pai.



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