14/07/2012

Diálogo com os pés


Um amigo me inspirou.


__ E ai?
__ E ai o que?
__ De boa hoje , então?
__ Pois é, cansado. Semana difícil. Estou tentanto relaxar um pouco, posso?
__ Pode, claro. Jogo duro né?
__ Duro demais amigos. Tá cada vez mais difícil, mas estou indo e sempre pra onde vocês me levam.
__ Legal, cara. Você é osso duro de roer heim!

Sorrio discretamente, mas me mantenho olhando para eles com com semblante distante. Ouço alguma notícia que vem do rádio ligado num volume um pouco mais alto do que acho que deveria estar. O boteco onde estou neste momento está vazio. Um ou outro entra e toma um café que é servido pelo atendente de poucas palavras gentis. 

__ Por que disseram que sou osso duro de roer?
__ Oras, você sabe bem do que estamos falando. Te levamos pra cada lugar e você sempre encara numa boa. Ou é burro ou muito teimoso. Uma das duas.
__ Que nada, manés. Sou irriquieto mesmo. Acredito nas ideias e gosto de fazer o que os outros consideram o que não possa ser feito.
__ Na boa, sabemos, mas achamos isso uma puta teimosia. Desde quando éramos crianças você sempre foi assim. 
__ Vocês precisam falar é com o coração. Ele sim está se enchendo dos vai e vem e  das inúmeras emoções  aceleradas. Tá que não aguenta mais. Os pulmões são fortes, detono eles com cigarros a todo momento e até agora não reclamaram. Os demais companheiros estão bem, indo bem. Uns melhor outros nem tanto, mas firmes ainda. (sorrio). A coluna reclama de vez em quando junto com os músculos das costas, mas com um remedinho e algum exercício se recuperam rapidamente.
__ Cara você precisa se acalmar, relaxar de verdade, ser menos acelerado.
__ Pô, mas vocês são quem me aceleram.
__ Nós o cacete. Fala com seu cérebro. Ele é o filho da puta que nos fode o tempo todo. Pede tudo muito rapido, tudo tem de ser agora… puta cara chato.
__ Não é bem assim. Ele é pau mandado na verdade. As mãos já reclamaram da mesma coisa.
__ Como assim?
__ É que vocês estão ai embaixo e não enxergam e nem sempre escutam o que falamos aqui em cima.
__ Como assim?

Falo baixinho.

__ Tem um cara invisível dentro de nós.

Os pés se calam, olham entre si. Escuto eles dizendo baixinho para si próprios… pirou...

__ Não fique com cara de bestas. Explico. Tem um negócio que chamam de alma, de temperamento, de gênio… sei lá, ele tem de tantos nomes. Esse cara é o mandão.
__ Putz! Tem mais gente ai então?
__ Claro que tem e pior ele também é pau mandado, parece que é um tal de Deus que é o bambambam de tudo. Manda geral.
__ Tá tudo dominado, então?
__ Não. Ele manda muito, sabe de tudo e parece que ele fez tudo e todos que a gente conhece, e deixa esse cara invisível dentro da gente pra fazer o que bem entender.
__ Caceta, como assim? Manda ou não manda.
__ Manda. Manda tanto que deixa os invisíveis dentro das pessoas com um tal de livre arbítrio.
__ Que porra é essa?

Com sorriso nos lábios eu respondo:

__ Por isso vocês têm chulés, frieiras e vivem batendo no pé da cama. Olha o vocabulário, ranhetas.

Paro um pouco e retomo.

__  Explico. Os invisíveis ficam escondidos no cérebro de cada pessoa, cada um deles se esconde em cada corpo e podem fazer o que bem entenderem com o cérebro, local exato onde se hospeda.
__ Maluco isso heim cara!
__ Pois é. Mas dizem que é assim. Alguns são muito legais, acho que a maioria são. Previnem-s de atropelos e pensam em si prioritariamente, mas também não fazem nada que prejudiquem outros, ao menos de forma deliberada. Tem aqueles que são totalmente dedicados aos outros, esses são raros. Mas tem também alguns perigosos e outros muito perigosos. Os que se camuflam passando-se por bonzinhos, legais, mas escondem interesses dos mais perversos. Se travestem de pessoas do bem, se aproximam com sorrisos e palavras amáveis, te oferecem ou sugerem oportunidades que sabem, jamais oferecerão e na primeira oportunidade enfiam uma faca de lâmina afiada nas suas costas e fogem. E pior, espalham para outros, que estão fugindo de você e que você é um perigo, um falso. Na verdade eles se vêem assim e não se aceitam. Usam do livre arbítrio à sua moda.
__ Sério?
 Sério. E tem também os declarados, já vem com a faca na mão. Mas estes são menos piores. Ao menos mostram-se escancarados nos dando alguma oportunidade de defesa.
__ Pô, deve ser foda ai em cima, heim.
__ É sim parceiros, difícil, não foda - melhorem o vocabulário. Por isso converso com vocês de tempo em tempo. Acho que me ajudam a relaxar.
__ Cara e ai, o que se faz pra se livrar disso tudo?
__ Encara-se, velhos. Não tem outro jeito. O bambambam que falei nos fez assim, um diferente do outro e o que se sair melhor ganha um prêmio.
__ Prêmio, que prêmio?
__ Ganha a paz de espírito.
__ E quem não ganha?
__ Continua fugindo e xingando os outros.
__ E nós pra onde vamos, pra paz ou pra fuga?

Paro e penso.

__ Vamos até a lotérica, o invisível me disse que posso ganhar hoje uns trocados legais.
__ O que vai fazer com os trocados se ganhar?
__ Nada. Vou pra Piracaia. Parece que tem menos fujões por lá.
__ Lá tem bambambam?
__ Tem.
__ Legal, boa ideia, levamos você, então. Esquerdo, quando chegarmos na lotérica eu entro primeiro, você espera e entra em seguida. Vamos dar uma força para o invisível lá de cima.

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