05/07/2013

O CHAMADO. A PROVOCAÇÃO

A história aqui relatada foi baseada em fatos reais e ocorrida nos tempos de hoje. 
A capacidade do interlocutor em dar a dimensão exata ao que verdadeiramente ele sentiu, não será de tão fiel como ele pretendeu. Cabe ao leitor o discernimento.
Recomendamos que crianças, idosos e pessoas com problemas cardíacos deixem de percorre-la. 

Julho de 2013
São Paulo - Brasil

Dormia tranquilamente quando de repente alguma coisa me fez acordar. Pareceu-me que alguém havia sussurrado ao ouvido. 
Não foi um ruído, nenhum relâmpago barulhento e muito menos um pesadelo afoito. Foi um Olá, como está você? E simplesmente acordei.
Olhei para o relógio e ele marcava duas e trinta e sete. Alta madrugada.
O silêncio na calada noite foi interrompido por uns miados de um gato apaixonado que provavelmente se divertia nos telhados da vizinhança. Teria sido ele o feitor do meu despertar? Talvez.
Levantei-me, senti o frio pinicando o corpo assim que me descobri e logo busquei o agasalho apoiado sobre um móvel próximo. Procurei os chinelos ao lado da cama com os pés. Eles nunca estão na posição de fácil alcance.
Desci e caminhei até a cozinha. Na geladeira a garrafa de água tremia mais do que eu pelo frio que sentia. Saciei minha sede e tratei logo de fechar a porta impedindo que o ar de poucos graus centígrados que vaporizava da velha Electrolux chegasse até a mim.
O sono que antes parecia intenso deixou de sê-lo por completo. Quinze para as três da manhã e eu acordado esperando o sol nascer. Muito cedo ainda e disse a mim mesmo um não determinado e para a cama decidi voltar. O gato pressentindo a movimentação na casa vizinha havia se calado.
Movimentei o basculante do vitrô para ver sei lá o quê do lado de fora e notei o céu num azul profundo, com muitas estrelas brilhando e a luz da lua cheia que clareava o quintal. Um vento frio ardeu-me o rosto e a mão, instintivamente fechei a janela.
Minha casa tem os dormitórios no andar de cima e uma escada larga em curva dá acesso a eles. Pelo corre-mão me apoiei e de degrau em degrau fui subindo em silêncio preocupado em não acordar mais ninguém. Lembrei-me que estava sozinho em casa, mesmo assim mantive a quietude. Parecia não ter fim essa via. Para mim o percurso já me tomava minutos preciosos de sono e cansativamente o via sem fim.
Com o silêncio se estabelecendo o gato sentiu-se seguro e ao namoro retomou. O ouvi miando um miado sofrido, como que querendo esconder um prazer proibido ou, pelo contrário disso, quem sabe revelando ao mundo o quanto estava feliz e aquecido, mesmo em noite fria de lua cheia. 
O amor aquece, penso eu às vezes e o frio nos encolhe, escandalosamente. Disso sabemos ao certo.
Não sei bem a razão, mas assim que cheguei ao meu quarto acendi a luz, não precisaria ter feito isso, mas a acendi intuitivamente e qual foi meu espanto quando vi todas as portas do guarda roupa escancaradas. Abertas sem motivo algum para estarem assim. É uma peça enorme com dezoito folhas de portas e que cobre uma das paredes do recinto inteiramente.
A cama que deveria estar com os lençóis esparramados, a vi toda alinhada, coberta na sua extensão pelo acolchoado estampado que escondia também os travesseiros ajeitados. Inclusive os babados nas laterais desse acolchoado, estavam postos absolutamente perfilados, como quando uma arrumadeira de hotel, dedicada, os tivessem passados à ferro quente com muito carinho. As gavetas dos criados-mudos também fora de lugar com as coisas de dentro remexidas.
Quieto, surpreso e perplexo procurei manter-me calmo para tentar compreender o que me surpreendia. O frio externo passou a nada diante do arrepio que cobria a minha espinha. Os poros se abriram, os senti pipocando pelo corpo. Meus cabelos, se vistos a olho nu, seriam relatados como em pé, fio a fio.
Procurei me manter consciente, de mente aberta, pronto para ao que desse ou ao que viesse, mas com medo, muito medo. Um inconsolável pânico, em pleno estado de pavor repentino. Não sei descrever exatamente o que senti.
Não ouvia mais o miado frenético do gato, não me recordo o que passou pela minha cabeça naquele momento, mas me parecia um sinal claro e bem claro de que alguém estava brincando comigo.
Perguntei a mim mesmo se o que estava vendo era real, verdadeiro. Abaixei a cabeça, senti os dedos dos pés recolhidos, apaguei a luz sem tirar o dedo do interruptor e me concentrei. Senti uma espécie de vapor quente passando por mim, seu calor contrastou com o meu arrepio.
Certifique-se, meu velho! Acenda a luz e veja se tudo voltou ao normal. Pensei e agi.
Me controlando, me implorando calma, fiquei na escuridão por alguns segundos. Lembrei de parentes, de amigos e conhecidos que já se foram. Vieram todos à mente muito rapidamente. 
O dedo interceptou a chave para a posição acima e o quarto clareou-se novamente. 
Não se tratava de ilusão ou alguma miragem como se estivesse com sede no meio de um deserto. Não havia bebido na noite anterior e eu estava bem acordado. Via tudo de forma nítida e transparente. As portas do guarda roupa continuavam abertas e a cama feita como que se nela eu não estivesse deitado minutos atrás. Os criados-mudos, mudos pareciam que me olhavam.
Respirei fundo e me contive, fechei os olhos por alguns segundos e remeti meus pensamentos para coisas positivas. Me enchi de coragem e em passos firmes me aproximei do móvel e fui fechando todas as portas, olhando para os lados e para trás. 
Como eu queria que fosse naquele instante um claríssimo meio dia e não três da madrugada de noite de lua cheia. E que a luz do sol estivesse inundando com seu calor amigo o ambiente e a mim mesmo.
O arrepio na espinha ia e vinha numa velocidade que nunca havia sentido e os poros continuavam abertos, dilacerados. As mãos tremiam, por mais que me esforssasse, não tinha controle sobre elas e os olhos esbugalhados registravam tudo sem compreender nada, mas, determinado, fechei-as com coragem. Batendo-as com força como Don Quixote teria feito. 
Puxei o acolchoado, desalinhei ele e os travesseiros, empurrei as gavetas dos criados-mudos como querendo dizer que quem mandava ali era eu. Tirei os chinelos dos pés e sentei-me à cama que agora não estava tão quentinha. Minha bunda gelou mais do que já estava.
Por instantes fiquei paralisado. Ouvia zunidos indecifráveis e sopros alucinantes. A súbita coragem quixotesca desapareceu por completo e me peguei encolhido, muito encolhido sobre minha pança.
O ar que respirava entrava e saia dos pulmões fugazmente, eles se comprimiam medrosamente. Ouvia meu coração batendo acelerado e a adrenalina que transbordava dos pés à cabeça, em choque eu sentia até o cheiro dela. 
Fechei os olhos inclinando a cabeça para baixo. Meus dedos entrelaçaram-se. As pontas deles eu sentia, uma a uma, quando as esfregava nas juntas nas costas das mãos.
Lembrei do gato no telhada da casa vizinha, dos seus gemidos, da sua manifestação de amor mundano. Por que eles desapareceram? Queria ouvi-los agora. Mia gato, mia, seu filho de uma puta. Não me importaria em nada os miados me acompanhassem pelo resto da noite. Afinal, o que são singelos miados de amor?
Trinta segundos depois ouvi distante um primeiro miado e logo em seguida outros tantos, eles foram me aquecendo, pareciam música aos meus ouvidos.
Me confortei. Me recompus. A espinha não tremia mais, minhas mãos se soltaram, estavam livres, o coração voltou ao normal e até o cheiro da adrenalina se foi.
Apaguei a luz e deitei-me para que o sono me levasse ao descanso. Não demorou muito para que eu voltasse para terra dos sonhos. Lá encontrei uma pessoa que há muito não via, mas que ainda vive entre nós. Ela foi receptiva. 
Os que já se foram não estavam presentes nesse sonho, mas de certo proporcionaram-me o encontro querido em um lugar muito tranquilo.
Acordei às sete e meia da manhã quando a luz do sol insistia em infiltrar-se pela janela. Passando pelas frestas das cortinas criando desenhos encantadores pelas paredes. 
O quarto aquecido agora me aquecia mais do que a própria cama em que dormia. O guarda roupa que também recebia a mesma luz pareceu um móvel comum, bonito e bem construído. Com as portas simetricamente fechadas, estava ele imponente cumprindo o seu papel.
Ao invés do gato miando, ouvi o meu cachorro latindo, me chamando, me acordando, querendo dizer: vem logo, vamos brincar que o dia já começou e está bom demais aqui para nós que estamos vivos!



Seja lá quem for você que gosta de brincar de esconde-esconde, quando quiser me chamar ou me provocar, por favor, faça isso ao meio dia. Assim você não corre o risco de eu pensar que estava sonhando, muito além do que faço quando estou acordado.


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