02/07/2013

1959 - A primeira lição de Cinema.

O filho mais velho de meu pai
Me lembro como se fosse hoje. Meu pai chegando em casa num início de noite com uma caixa na mão.                                                              

Acho que não era bem uma caixa, talvez fosse um embrulho, embrulhos em papel de jornal eram mais a cara dele. Sujeito simplório era meu pai.

Meu irmão e eu festejávamos sempre a sua chegada e naquele dia ele apareceu com alguma coisa diferente por dentro do casaco. Fazia frio e o velho - ainda novo na época, como bom motociclista, nos dias frios se protegia o quanto podia. O cabelo liso cheio de brilhantina ficava todo espetado, a gente caçoava dele - Cabeça de espiga! Cabeça de espiga!. Motociclistas não se protegiam com capacetes em 1959.


Logo percebi que era um presente, embora meu pai dissesse que seria dos dois filhos, fui logo me apossando do pacote. Nessas horas é bom ser o irmão mais velho, o menor se coloca num segundo plano, resignado. Sempre fui um mandão idiota.

Abri o volume e me deparei com uma câmera fotográfica. Umas dessas do tipo caixão, toda preta com uma série de numerozinhos que somente anos depois iria entender para que serviam. Os detalhes prateados me chamavam a atenção. E nome era muito estranho - Kapsa.


Imagem - Google
Dias antes meu pai havia me contado como se fazia filmes, isso em vista do meu deslumbre por ter ido ao cinema pela primeira vez para assistir Paixão de Cristo, no Cine Soberano que ficava na Rua Vergueiro esquina com a Av. Gentil de Moura, no bairro do Ipiranga. Hoje me parece que o local é um estacionamento. Horrível isso.

Muito bem. Com o encantamento pela tela gigante do Cine Soberano, pelo quanto me desesperei ao ver Jesus Cristo sendo torturado pelos romanos antes de ser barbaramente crucificado por eles, com sua mãe, Maria, chorando aos seus pés vendo o filho morrer sem ter o que fazer e com as explicações que se seguiram de meu pai, com intuito de me acalmar, que aquilo tudo não passava de encenação cinematográfica e que era assim que se faziam os filmes, o assunto para mim daquele dia em diante, seria um só: cinema.

Me lembro dele ter dito que faríamos um filme de terror, com monstros e fantasmas, mas que todos eles seriam interpretados com pessoas conhecidas, todas disfarças - minha mãe, meus tios, meus avós, primos. Foi quando o compreendi e quando nasceu em mim o desejo de fazer filmes. Eu devia ter canalizado essa paixão com mais afinco ao longo da vida.

O que ele pôde comprar foi uma câmera fotográfica usada, mas pelo que dizia, a velha câmera funcionava e muito bem. Não me lembro de vê-la tirando fotos nenhuma vez.
Recordo da explicação que uma sequência de fotografias tiradas de um movimento e projetada depois numa tela na parede iria gerar a ilusão delas se mexendo. 

O velho, para ilustrar melhor a aula, pegou um livro e na borda inferior deste fez uma sequência de desenhos - uns pauzinhos dirigidos a pontos diferentes e na medida em que seu polegar ia soltando as folhas sob pressão elas mostravam os pauzinhos girando, girando, como estivessem vivos. 

Caí de costas na cadeira.

__ Pai, é assim?

__ É assim. Entendeu?

Essas recordações saltam na minha alma sem que eu as chamem. Parecem fantasminhas me provocando, todas querendo brincar comigo.

Assisti ontem pela enésima vez o filme Cinema Paradiso, um bom filme de Giuseppe Tornatore de 1988. Não me contive, chorei. Senti que ao meu lado estava ele, meu pai. Tímido, quieto, introspectivo, mas feliz por estar perto de mim mais uma vez. Ainda o ouvi me provocando:

Entendeu?

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