21/06/2012

706 de 1973 a 2012

Postei no Facebook outro dia um desabafo em vista do que ando lendo sobre as movimentações pré eleitorais pelo Brasil e em especial na cidade de São Paulo. Aqui faço a mesma coisa, mas de forma um pouco mais ampla, não muita, prometo, pra quem quiser ler.

Era um soldado que levava o número 706 - se dizia, sete, zero, meia e fazia parte da 3ᵃ Companhia Operacional do 39ᴼ Batalhão de Infantaria Motorizada, quartelamento do Exército Brasileiro que ficava em Quitaúna,  região oeste da grande São Paulo. Batalhão remanescente do antigo 4ᵒ Regimento de Infantaria de onde, dois anos antes, um certo capitão Lamarca deu um olé na ordem e desviou vários armamentos que foram parar nas mãos de forças guerrilheiras resistentes à didatura militar que do campo e das cidades se organizavam para uma grande revolução solicialista, a revolução do proletariado. Doces sonhos de velhos meninos.

O 706 prestou serviço militar em 1973 bem em meio aos anos de chumbo, aqueles pós dourados, sem entender direito o que estava fazendo naquele lugar e muito menos o que era chumbo no sentido de seu tempo. Viu gente levando chumbo nas costas quando se rebelavam e sofria com isso.
Na época ele acreditava que servir ao exército era para obter um documento, fundamental para ser reconhecido como um adulto, chamava-se Cerfificado de Reservista e logo o dele tinha que ser o de Primeira Categoria. Além do RG e do Título de Eleitor, que no Brasil é dada tanta importância que o cidadão eleitor ganha até um título, ele já tinha. Faltava este e mais a Carta de Habilitação que tempos depois conseguiu. 
Completamente míope, de estatura baixa - 1.70 - fora dos padrões exigidos pela corporação e completamente avesso à disciplina, ele foi selecionado durante o processo de alistamento compulsório, um pouco antes de completar 18 anos, isso em meio aos brutamontes voluntários de QI relativamente limitado. Essa condição reversa durante os quase doze meses que serviu no histórico quartel, o levava frequentemente a seguidos pernoites obrigatórios, detenções por dormir na guarda e de vez em quando a um tal de Chacú (a cadeia militar), por indisciplina em desrespeito aos oficiais. Seria mesmo desrespeito? 
Contudo, destacou-se nos exercícios de guerilha urbana e rural. Parecia um ratinho subindo e descendo morros em meio das matas e paredes altas simulando um contra ataque numa que chamamos hoje de cidade cenográfica. Tornou-se líder de grupos nos exercícios de campo e de cidade. Passava fome sem reclamar, pois não gostava de dar o braço a torcer e com firmeza era submetido com seus amigos aos exercícios neurotizados, impostos pelos superiores e que tirava de letra. O 706 era mais neurótico que os que se apresentavam como neuróticos para treinar e fazer pequenos futuros neuróticos para carregarem fuzis e morteiros sem entende-los como de fato funcionavam. A ideia dominate: o inimigo está à espreita, nunca se sabe quem ele é, de onde ele vem e portanto, devemos nos manter atentos para assim protegermos a pátria amada ao som do hino nacional. 
Eles, os comandantes, chamavam esses inimigos de "Terroristas", inimigos que aliás, nunca os vi, só ouvi falar. Tempos depois descobri que terrorista na verdade era mesmo o ambiente dos anos sessenta, início dos setenta, pra quem estava do lado de cá da cerca. Eu era do lado de lá e por um descuido do acaso fui para o outro lado. 
A guerra do Vietnã corria solta e os comunistas pelo mundo (monstros de dentes enormes que comiam criancinhas e matavam velhos e pais de família por prazer) planejavam ataques à democracia do mundo livre, que no Brasil, certamente, não existia. 
Tempos depois essa história se desfez, na verdade se transformou. A guerra hoje é outra, bem diferente daqueles tempos. Os antigos defensores da pátria voltaram aos quartéis para brincarem de marcha soldado.  Os heróis agora são os tranficantes e os políticos, clandestidamente são unha e carne e confudem as instituições iludindo os do lado de lá da cerca, nós.  
Sendo que os traficantes, mais francos nesse patético contexto, tiram a vida das pessoas quando derramam no mercado produtos altamente tóxicos, com mais ou menos querosene, assim encurtando a vida do cidadão que um dia fora ou poderia ser do bem e os segundos, os de ternos caros, na verdade os mais perigosos, optaram por nos mantermos vivos, bem vivos, quanto tempo mais vivos, melhor e dessa forma se apropriam do nosso dinheiro e da nossa boa fé, tudo dentro da lei. Leis que eles mesmos criam. 
Estes últimos ainda promovem orgias pseudo-democráticas, denominadas singelamente de eleições que são invariavelmente precedidas por shows exóticos na TV, no rádio e em todo meio de comunicação de massa. São as chamadas campanhas eleitorais onde vendem suas imagens de homens sérios, comprometidos com a verdade, prometendo mundos e o fundos, garantindo na retórica dos marqueteiros, discursos enfáticos onde frases do tipo "La garantia soy jo" estão nas entre linhas das promessas.
"Jo estou de saco cheio, tubérculos anais em formas humanas. Cheio de vocês e de sua política nojenta, partidária de composições corruptas e hipócritas.  Vocês todos são exploradores da ignorância e da carência das pessoas. Encontraram no pós-colônia um campo fértil para difundirem sua ganância. Poderiam vocês todos apodrecerem lá no fundo do Chacú, aquele da cadeia militar. Todos. E não se esqueçam de levar suas bandeiras partidárias, usem-nas como papel higiênico em suas bundas gordas e fétidas, as esfreguem depois de sujas em suas caras de porcos de abate, uns aos outros. Amontoem-se como se fossem um único composto de dejeto humano, um único monte de bosta, enorme, fedorento. Os vejo assim e discutam nessa camorra a fundação de seu próprio país e comam-se por lá e que este país fique bem distante do nosso, sugiro que seja no centro do polo sul. Aqui não tem mais lugar prá vocês"
O 706 desde jovem nunca confiou em políticos, acha as putas mais francas, confia menos nos do seu país. Ele mantém guardado seu título de eleitor porque a lei assim exige, inclusive aqueles recibinhos idiotas e a cada dois anos cumpre o seu dever cívico, mas vota sempre na mesma tecla, uma única. Faz questão de manter a documentação regularizada em especial seu passaporte que nunca está vencido. Quando pode respira um pouco de ar puro em outros lugares e diz que fará isso por toda a vida. Ele gostaria mesmo é de berrar pelos alto falantes, xingar, mandar à merda, mas se contém escrevendo. Poucos lêem nesse país, então ele desabafa por aqui. Se recusa a fazer o jogo dos fracos.

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