03/09/2011

Dias sem tsunamis.

Ontem foi meu primeiro dia de férias. Depois de uns 4 anos e meio, mais ou menos, consegui tirar uns dias para mergulhar na famosa "merecidas"
Não são muitos dias, apenas dez, contanto com dois sábados e dois domingos, sendo que, dois deles, nesse período conto como se fossem minhas folgas normais - de direito, como se diz. 
Pela minha atividade até, mesmo nas folgas, não me desligo completamente, como deveria fazê-lo. Acabo levando serviço pra casa às sextas feiras e leio emails pelo celular durante o sábado e domingo me envolvendo nas questões da TV e também porque os amigos pessoais, inocentemente e curiosos me perguntam sobre o meu trabalho durante a minha folga, tolhendo assim o relaxamento. Por favor amigos, estou de folga.
Além do fato que hoje em dia os televisores estão ligados em todos os lugares e quando me dou conta, estou eu lá querendo saber qual canal e o que estão transmitindo, assim me lembrando do trabalho. Portanto, normalmente, as minhas folgas são - mais ou menos folgas.
Considerando que na próxima semana teremos um feriado na quarta feira - dia da Independência, que teoricamente não trabalharia, líquido, em dias úteis, fiquei com quatro dias de férias. Quatro dias e uma sexta, que foi ontem, a qual matei conseguindo juntar à matemática da ausência temporária o número redondo de dez. Dez longos dias.
Planejei essas férias minúsculas pela pouca disponibilidade de tempo que tenho, vivo cercado de responsabilidades. Minuciosamente, arquitetei o plano nas caladas noites, na cama, elaborando tudo como se fosse um crime perfeito, sem deixar pistas. Desenhei passo a passo a fuga com pelo menos dois meses de antecedência.
Sem viagens longas dessa vez, pretendidas inicialmente aos países do leste europeu. Marcadas e canceladas deliberadamente por mim mesmo e bem decididas, sem frescuras. Muito menos queria ficar em casa onde seria bombardeado pelas eternas histórias da Miriam, nossa empregada há mais de vinte anos e, inevitavelmente, ao som do rádio e de tv's ligados. Não considerei arriscar essa hipótese nem por um minuto.
Um sujeito com 57 anos de idade que trabalha como um alucinado desde os 14 e ainda precisando mendigar para si próprio suas férias, pode apontar para alguma coisa de séria. Me pareceu latente - concluí que tem coisa errada comigo ou no modo de vida que levo. Por que que não poderia sumir por trinta dias, como muitos fazem? Não dava, não deu. E pior, constato que hoje, ainda no segundo dia da breve fuga o friozinho na barriga persiste. A ansiedade e a sensação de vazio me acompanham por onde eu for. Me perdoem a lamúria que parece exagerada, não é da minha intenção aborrecer a quem me lê, até porque, sei que podem virar a página e sair daqui a qualquer momento.
Aos que ficam digo que em minha vida tive poucas e verdadeiras férias. Algumas inesquecíveis, alegres, muito boas. Pude viajar para lugares do mundo aos quais sonhava conhecer desde a infância. Estive neles de corpo e alma, ao vivo e à cores, em 16 x 9 HD e em 3D. 
É fantástico botar os olhos e sentir os ventos dos lugares que sempre fizeram parte dos nossos sonhos. A gente quer pegar o que vê e levar pra casa, acho que por isso fotografamos e filmamos tudo e compramos bugigangas inúteis só para provarmos à todos e a nós mesmos quando voltamos, que tudo foi real, aconteceu. 
Tenho comigo que viajar é a coisa mais gostosa que existe, nada supera os dias que antecedem a data do embarque e dos próprios dias da viagem. Seja lá para onde eu vou. Acho que nem mesmo estar com mulheres das mais sensuais ou comer doces caseiros superam o prazer que tenho em sair pelo mundo.
Lembro de férias onde fiquei por aqui mesmo, por estar duro, sem dinheiro só me restando curtir o nada à fazer, em casa, ou, quando muito, dando uma esticadinha de poucos dias até a praia. Praia Grande, no Boqueirão, Cidade Ocian, Mongaguá, as mais frequentes.
Acho que são esses os nomes que damos aos municípios da baixada santista, que pra nós paulistanos vira tudo, Santos. 
Dividia as despesas e o aluguel de casas ou apartamentos pequenos e semi mobiliados com amigos e parentes para quatro ou cinco dias no máximo e com valores chorados e fora de temporada, pois ficava mais em conta nesses períodos, assim garantiamos as "merecidas"
Me divertia vendo as pessoas barrigudas e avermelhadas de corpo branquelo ao sol escaldante, lambuzadas de protetores solares e areia, estiradas nos tapetinhos de palha "pegando uma cor”. (roxa)
Com os que saboreavam os camarõezinhos no espeto vendidos pelos ambulantes de chapeuzinho e óculos escuros, porções de peixes porquinho, fritos em óleos bem queimados das frigideiras encardidas e vendidas nas barraquinhas que ficavam desordenadamente espalhadas pela orla. 
Ofereciam também cervejas meio geladas, batidas de maracujá com seus abundantes caroços pretos que transbordavam nos copos duplos de plástico, descartáveis, com bastante gelo, estes um pouco escuros, de água de procedência suspeita e pinga, muita pinga. 
Das pessoas que inesperadamente se levantavam e corriam de braços abertos, aos berros em direção ao mar, como numa curta liberdade paranóica, mergulhando nas águas do Atlântico com descuido, de boca aberta, engolindo a água salgada do mar misturada ao xixi dos beberrões e beberronas e possivelmente ao coco dos "diarrentos". 
Essas praias são catalogadas até hoje pelos jornais e rádios como impróprias para o banho. Incrível como somente no período de férias de verão a imprensa aborda esse assunto. 
Ninguém levava a sério a tal poluição até retornarem à São Paulo, quando as micoses e diarréias arrebentavam. Era um pega-pá-capá. O mata-lumbrigas corria solto.
Eventualmente marolas repentinas alcançavam os guardas-sóis desbotados que ficavam espetados na areia, esses que ainda hoje protegem a pele dos mais sensíveis - crianças, pessoas de idade e eu (uma mistura dos dois), inundando as roupas amontoadas entre as cadeirinhas de alumínio, meio amassadinhas, coloridas e com algumas costuras desfeitas que faziam a bunda doer rapidamente. Encharcavam os objetos que as pessoas insistem até hoje em carregar nos convescotes praianos,  molhando também as sacolas lotadas de sanduíches que ficavam meio esmagados de pão Pulmann e patê de sardinha em lata, verde ou vermelha da Coqueiro e as coxas e asas de frangos, fritos no dia anterior, os pastéis de carne, de palmito e tantos outros quitutes, incluindo as grandes fatias de melancia que no alagamento boiavam suavemente lembrando pétalas de rosas vermelhas que se misturavam aos chinelos, toalhas e restos de comidas dos vizinhos também desafortunados.
Era uma correria pra salvar tudo e nem se conhecia na época o termo Tsunami. Agora, anos mais tarde, quando os vejo na TV me recordo de pronto e com nostalgia dos bons e velhos tempos.
Ainda me lembro dos putaqueosparius e caralhos soltos pelos picniqueiros indignados com a natureza perversa que se atrevia a prejudicar o lazer de suas majestades. Alguns ainda em estado de à milanesa, pois sempre tinha um cunhado ou um tio que adorava se enrolar na areia quando saia do mar. Esses eram os que mais se manifestavam.
Na cena era comum as senhoras gordas, com seus uniformes de verão - maiôs anos 50, pretos ou verdes escuros, usando toquinhas azuis claras ou brancas, pra combinar, que serviam de proteção aos cabelos ralos e embranquecidos pelo tempo. Fingiam se afogar, algumas pareciam bem próximas a isso, gritavam desesperadas pedindo ajuda. A mim, diante da reação espontânea das pessoas, me parecia que a comida era mais importante do que os prováveis afogamentos. 
Alguns ainda se dispunham a arrastá-las metros acima como num ato heróico de salvamento. Vem vó… !!!  Mãããe, ajuda a vó !!!. 
Via castelos de areia sendo destruídos. Todos lapidados em estilo gótico, construídos habilmente por meninos e meninas com ajuda dos pais e tios, esses últimos geralmente cumprindo o papel dos legais da família, os brincalhões, os que fazem piadas sem graça - todos sentados à volta da bizarra escultura, preenchendo os andares cada vez mais altos da escultura com a areia escavada, acentuando o relevo surrealista da arquitetura.
Sem falar dos buracos cavados à mão ou com pasinhas plásticas, algumas de cabos quebrados que machucavam as mãos, onde se enterravam até os ombros os primos mais “divertidos”. Tudo fazia parte da festa. 
Naqueles dias nos sentíamos felizes, inclusive eu. Ao menos, procurava passar essa sensação para os meus. Éramos os donos do mundo em férias. 


Nada se comparava ao estar com uma coxa de frango numa das mãos, mesmo com um pouquinho de areia que os ventos inoportunos empurravam ao nosso encontro e na outra, uma Skol de latinha, quase gelada, acabada de sair da caixa de isopor que um dia fora branca. Largado, esparramado pela praia, não se importando com o sol do meio dia que traiçoeiramente, faria a pele da gente estourar em feridas já na segunda feira. Sentindo a onda leve, branda e sorrateira se aproximando aliviando as frieiras dos dedos dos pés. Isso que é vida!

Quanta gente, quanta alegria, a minha felicidade é um crediário quase pago... e uma Brasília amarela.
Hoje, aqui em Piracaia, que em tupy-guarani quer dizer, peixe queimado, ou algo assim, de férias e com os meus pensamentos, recordo dos bons e velhos tempos. Horrível essa expressão. 
Lapsos abruptos de saudade como de uma marola repentina que alaga tudo e leva de nós os bens mais preciosos. Não sou dado a saudosismo, mas viajei.  Me permiti agora criar um verbo que uso no tempo passado: saudosei.
Nesses momentos ela, a saudade, faz a gente pensar que tudo na época era colorido - de certa forma era, mas pensando bem, nem tanto. 
Pessoas e situações permanecem singelas na memória só quando a gente quer. Nessas horas o corpo flutua e invariavelmente alteramos partes da história a nosso favor, fazendo com que à cada empecilho, à cada fato triste, criamos um novo roteiro que nos leva a um final que nunca termina, mantendo a estória somente nas partes agradáveis. 
Somos humanos e podemos sonhar, ainda não pagamos impostos por eles.
Me dou conta, então, que posso sonhar mesmo estando acordado. Na verdade, qualquer um pode. Em  férias ou não, basta tentar. Mas tem que saber sonhar, para não se perder da realidade.
Vou curtir os nove dias restantes das férias e fazer com que minha vida toda seja como este momento - este minuto, sonhando um sonho sonhado, mesmo com o friozinho na barriga que me persegue desde criança. Buscando o passado, mas saboreando o que está presente com os olhos atentos, marcando bem o agora e sabendo que no futuro poderei lembrar desses dias como os bons e velhos tempos. Sem tsunamis, sem marolinhas. E se eles aparecerem do nada mudarei o roteiro a meu prazer, pois eu mesmo faço a minha história. Sempre e sem fim.




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