08/06/2012

Sebastião Salgado

Fotógrafo brasileiro, nasceu em Aimorés, Minas Gerais em 8 de fevereiro de 1944. Graduou-se em economia pela Universidade do Espírito Santo, em Vitória e pós graduou-se na matéria pela Universidade de São Paulo, vindo a trabalhar em seguida no Ministério da Economia em 1968. Neste ano o país vivia sob o regime  militar que o fez mudar-se para Paris em 1971 onde concluiu o doutorado.
Retornando ao Brasil em 1973 atuou na Organização Internacional do Café e com 29 anos, como especialista na fiscalização de plantações africanas, seguiu para a África carregando uma câmera fotográfica emprestada por sua esposa, Lélia Wanick Salgado,  acreditava que com o registro por imagens teria uma documentação mais eficiente. Bastou este encontro, ao acaso, pode-se dizer, para perceber que através da fotografia encontraria seu verdadeiro destino.
Neste mesmo ano retornou para Paris quando iniciou a carreira como fotógrafo free lancer em agências de notícias, com enfoque no registro dos acontecimentos pelo mundo - aspectos sociais, econômicos, os excluídos, os que vivem à margem da sociedade, as emigrações massivas de refugiados. O fotojornalismo o transformou em um profissional respeitado e de fama internacional. 

Sua sensibilidade é única e o trabalho em preto e branco retrata as mazelas da relação humana pelos quatro cantos do mundo de forma direta, clara e chocante. Faz o observador, à cada encontro com suas fotos mostradas nos pelos menos dez livros e diversas exposições, reavaliar seus conceitos. É simplesmente, brilhante. 
Observe algumas de suas fotos e considere.















A realidade se apresenta em tons coloridos, mas a vida é sempre num contrastado preto e branco.

07/06/2012

Aldemir Martins


Nasceu cearense de Ingazeiras, Vale do Cariri em novembro de 1922.

O artista plástico imprimiu tons vibrantes e traços fortes em sua obra, na maioria contemplando a natureza e pessoas no cotidiano.
Pintura, cerâmica, gravuras desenhos e esculturas sempre quebrando barreiras e retratando de forma muito pessoal a vida brasileira.
Ousado e rompendo regras, trabalhou em caixas para charutos, pedaços de madeira, papeis de carta, cartões, telas de linho, jutas e tecidos variados, marcando a qualidade técnica em toda obra.

Talento puro.








06/06/2012

Blackbarry e o susto de terça e quarta.

O Blackbarry tocou às seis e meia da tarde, em ponto nesta terça feira, ante-véspera do feriado. O som característico dos telefones antigos soou em meus ouvidos como se estivesse num escritório de contabilidade em 1952. Olhei de lado e vi o aparelho luminoso, insistentemente tocando como se aos berros me pedisse para que o atendesse. Sim claro, o identificador de chamadas acusou o nome do reclamante. Na verdade era a reclamante - minha mulher.
Estranhei, raramente ela me liga, ainda mais nesse horário.
__ Oi!
__ Oi, Ro. Você vai demorar para sair?
__ Não, por que?  Acho que lá pelas oito, oito e pouco, como sempre.
__ Ah! É que estou passando mal, preciso que você me leve para o médico, acho que é o coração.
__ Como assim? 
__ Só pode ser, não aguento mais tossir e a dor no peito está forte. Não sei se é muscular de tanta tosse dos últimos três meses, mas acho que tem alguma coisa diferente. Vou para o Incor. Não vou em qualquer médico.
__ Aguenta ai que já estou saindo. Deve ter muito trânsito agora na Marginal, mas já estou de saída.
Uma hora e quinze minutos depois estacionava o carro na porta de casa. Entrei rápido e a vi estatelada no sofá. Baita susto.
__ E aí, como você está?
__ Nada bem. Respondeu chorando e tentando me explicar.
Cinco horas depois estávamos novamente em casa. Aflito encarei o caminho do Incor. A cardiologista que nos atendeu detectou problemas sérios no coração decorrente de um esforço do músculo vital à vida, pelo trabalho excessivo oriundo da pressão alta - 20 x 12. Não entendo bem esses números, mas pelo jeito que a doutora falou e ainda conferindo para certificar-se, fiquei mais do que preocupado. Eu e a minha esposa.
Medicada pôde retornar para casa com o compromisso de ir a um cardiologista no dia seguinte e com este buscar o tratamento para a solução do problema. Isso foi feito.
Hoje, quarta, no final do dia estamos um pouco mais tranquilo. O que tinha que ser feito foi feito. E a situação está sob controle. Acho.
O bom que é hoje ela realmente deixou de fumar. Prometeu, mais que prometeu, se comprometeu com o médico cardiologista e comigo que jamais colocaria um cigarro na boca.
Agora, resta eu. A patifaria tem de ficar de lado para eu deixar de fumar também.



03/06/2012

Os irmãos, Carlos


Domingo lindo tarde de sol, pego o anzol.
Ligo a lancha, vou navegando para o farol.
Mal eu chego, vejo o sossego, o mar nem pisca.
Estufo o peito, faço pose e jogo a isca.

Mas os peixes não querem cooperar.
Se eu não pescar nenhum, com que cara eu vou ficar.

Vou de pressa e compro um peixe no mercado
Enquanto o céu e o sol vão sumindo eu volto sorrindo.
E mal um broto me ver passar, ouço sempre ela falar.
Se ele é um bom pescador, serve pra ser meu amor.



Eu vou contar pra todos a história de um rapaz que tinha há muito tempo a fama de ser mal.
Seu nome era temido, sabia atirar bem. Seu gênio violento, jamais gostou de alguém.
E ninguém jamais viveu prá dizer que o contrariou sem depois morrer.
Nos duelos nem piscava, no gatilho ele era o tal. Todos que o desafiavam, tinham o seu final.

Mas, eis que de repetente, alguém apareceu e com ele quis lutar e o mundo até tremeu
Marcaram numa esquina antes do pôr-do-sol. E todos já sabiam que um ia morrer.
Nesse dia, porém, o homem mau tremeu, logo entrou num bar e no bar bebeu.
Ninguém tinha visto ainda ele em tal situação, mas somente ele sabia qual era a razão.

Chegando, então, a hora do outro encontrar, chegando na esquina, parou para olhar
O outro estava firme com a arma na mão, fazia grande alarde, fazendo sensação.
O homem mau, então, quis logo matar e no valentão quis logo atirar.
E depois de um tiroteio, todo mundo estremeceu, quando um grito seu ouviu, o homem mau, morreu.


Relembro a casa com varanda, muitas flores na janela.
Minha mãe lá dentro dela me dizia num sorriso, mas na lágrima um aviso pra que eu tivesse cuidado.
Na partida para o futuro, eu ainda era puro, mas num beijo disse adeus.
Minha casa era modesta, mas eu estava seguro, não tinha medo de nada, não tinha medo de escuro.
Não tremia trovoada, meus irmãos à minha volta e meu pai sempre de volta, trazia o suor no rosto.
Nenhum dinheiro no bolso, mas trazia esperança.
Essas recordações me matam, por isso eu venho aqui.

Relembro bem a festa, o apito e na multidão um grito.
O sangue no linho branco a paz de quem carregava em seus braços quem chorava.
E no céu ainda olhava e encontrava esperança de um dia tão distante, pelo menos por instantes encontrar a paz sonhada.
Essa recordações me matam, por isso eu venho aqui.

Eu venho aqui me deito e falo pra você que só escuta, não entende a minha luta. Afinal, de que me queixo, são problemas superados. Mas o meu passado vive em tudo que faço agora. Ele está no meu presente, mas eu apenas desabafo, confusões da minha mente.
Essa recordações me matam por isso eu venho aqui.

Roberto Carlos e Erasmo Carlos.

Me lembro uma ouvinte do Programa Barros de Alencar na Rádio Tupi de São Paulo, isso por volta de 1964, perguntando ao telefone - É verdade que o Roberto Carlos é irmão do Erasmo Carlos? Ela sabia a resposta, de certo, mas o que valia era participar, mesmo passando-se por idiota. A resposta na voz grave do locutor veio num tom de sabedoria suprema - Não, querida. Roberto não é irmão de Erasmo, eles são somente amigos. Garanto, pois sou amigo dos dois.
Estava eu no carro a caminho do trabalho por esses dias e sintonizei ao acaso uma rádio AM, acho que era Tupi e me surpreendi ao ouvir uma pergunta de uma ouvinte desesperada, parecida com aquela da mocinha dos anos 60 que hoje deve ser uma vovó. Não me lembro bem os nomes dos artistas que a jovem atual se referia, talvez fosse alguém do time do sertanejo universitário, me dei conta então, que meus heróis morreram mesmo de overdose e quem ainda está vivo, sobreviveu ficando surdo como eu.
...

27/05/2012

Overman - Laerte

Talentoso cartunista, Laerte. Entre tantos personagens criados pelo artista o que mais admiro é Overman. Sua personalidade é uma mistura de Super Homem com Batman - tem a força do primeiro e poder de dedução contraditório do segundo. Seu maior inimigo é seu próprio ego. Ele lembra muita gente que conhecemos.
Quem não conhece o herói, apresento. Quem conhece, reveja e divirta-se com as tiras.


Coluna do Vilão - Coisas do futebol

Barbante nunca tomou um gol na vida. Considerando desde as peladas dos tempos de criança, a meteórica carreira profissional que teve início em 1918 até o encerramento dela pelos idos de 1937, cinco anos depois da Revolução Constitucionalista, Carlos Ramirez de Souza Filho - o Barbante, que nasceu e cresceu na modesta, São José do Miracaia do Sul, cidade vizinha à próspera metrópole das andorinhas, Amarilândia, no rico sul do Paraná, terra de José Neves, o príncipe das embaixadas e de Pinto Salgado, o poeta da pelota, ele jamais experimentou a angustia de, se quer, ter levado um único gol em toda a trajetória futebolística. E olha que o homem jogou até pela seleção brasileira. Foram cerca de seiscentas e cinquenta e três partidas oficiais sem nenhum gol tomado, todas marcadas por defesas, simplesmente, espetaculares, que desafiavam as leis da gravidade. Dizem que nem mesmo nos treinos, Barbante se permitia levar gols e muito menos admitia a possibilidade de buscar a bola no fundo da rede. Era um craque e em campo não dava chance pra ninguém.
No jogo em que o Brasil fora desclassifico pela forte seleção do Nepal nas Quartas de final da da Copa de 1930 no Uruguay, partida marcada pela péssima arbitragem do francês, Phillip D'Mond e pela ausência total de público nas arquibancadas devido a um possível desabamento e cujo placar registrou 12 x 1 aos nepalenses, ele, por ter sofrido uma forte contusão em treino do dia anterior, não fora escalado pelo técnico, Barbozinha, o mestre. A história teria sido outra caso o tendão do pé esquerdo não tivesse rompido.  
Saudoso Barbante. Esguio, elegante nos seus quase dois metros de altura e de pele muito alva que lhe rendera o consagrado apelido. Foi campeão pelo Atlético Miracainse nos campeonatos paranaense por três anos seguidos - 1923, 24 e 25. Transferiu-se para o Clube Ypiranga em São Paulo em 1926 e em 28 para o Palestra Itália, no maior contrato assinado na época entre um clube e um atleta, revelado em 500 mil contos de réis.  E logo na partida de estréia em 15 de setembro daquele ano, contra o já rival e glorioso, Sport Club Corinthians Paulista, no estádio que se construía, Paulo Machado de Carvalho - Pacaembú, a ser inaugurado em definitivo somente 12 anos depois, além de fechar a meta como de hábito, marcou os seis gols dos 6 x 0 do resultado final, sendo quatro em cobranças de faltas, um de pênalti, que fez o goleiro ser carregado com bola e tudo para dentro do gol e o histórico, "drible do capeta" quando lançou o tiro de meta, correu para o meio de campo recebendo a própria bola, numa divida com o inesquecível, Canhotinha, o meia esquerda corinthiano de tantas glórias que também atuou na seleção brasileira e seguindo como um foguete, levando ao chão os dez jogadores do time adversário, um atrás do outro. A pelota balançou a rede corinthiana para o delírio da torcida alvi-verde. O estádio veio abaixo naquela tarde de domingo acinzentado.
Barbante encerrou a carreira de super goleiro em 1937 sem nunca ter levado gols e quando ainda atuava pelo Milan. A carreira foi abruptamente interrompida quando flagrado pela polícia milanesa com o passaporte vencido que guardava entre as folhas, uma charge de Mussolini vestindo um exuberante baby dool azul com bolinhas cor de rosa em francos gracejos no bigodinho de Adolf Hitler. Foi deportado para não ser decaptado. E de volta ao Brasil se tornou treinador de goleiros na então poderosa, Portuguesa Santista. Depois fazia bicos no porto de Santos vendendo quebra-queixo aos marinheiros e à noite, ainda levantava algum trocado como leão de chácara na zona do meretrício.  
Morreu pobre e esquecido em 1953 de cirrose hepática e com uma forte gonorréia que nos últimos anos lhe  comia as partes, pelo excesso de bebida e de mulheres de baixo custo.
Nossa homenagem ao querido, Barbante, herói de tantas jornadas, onde quer que ele esteja. É o craque do dia no dia de hoje.
De Londres, Luiz Vilão, para o Diário de Esportes.

Alguns comentaristas escrevem e falam tanta bobagem nos jornais e na TV que resolvi escrever a minha por aqui.


25/05/2012

O formigueiro


Herval, com seus 22 anos, seria o rapaz mais comum do mundo não fosse o estranho hábito de comer formigas vivas desde à época tenra de sua infância.
Nascido e criado na Mooca, antigo bairro de São Paulo, cuja família se instalara em meio aos casarões remanescentes das famílias de imigrantes italianos, desde a sua chegada de Santana de Serra Alta, cidade que fica no sul de Minas Gerais, em 1948.
Ainda bebê arrastava-se sorrateiramente em direção a um formigueiro que ficava em meio ao mato ralo que se espalhava pelos fundos do quintal da casa e alí, já guardando o esconderijo, se esbaldava até que uma das irmãs o apanhasse aos solavancos. 
Houvesse uma câmera fotográfica o registro seria feito com supremacia e se estivessem na época do digital, o mundo saberia do menino que come formigas.
__ Hervalzinho, você é louco menino, saia daí já, não faça isso seu moleque filho da puta! Eu te bato se voltar a comer formigas de novo e conto tudo pra mamãe.
E dá-lhe palmadas na bunda e pomadinhas (seria vaselina?) nas mãozinhas vermelhas cheias de picadas.
Vivia com os dedinhos inchados de tanto enfiar as mãozinhas na terra fofa organizadamente amontoada pelas formigas aos redor dos labirintos subterrâneos extensos. Mas pouco se importava, para ele, aquilo era o quitute mais saboroso que podia existir na face da terra e só ele sabia onde encontrar a fartura que lhe diziam ser proibida.


A mãe e o pai quando chegavam do serviço cansados, sempre por volta das seis e meia da tarde, ouviam com horror o que as filhas de nove e oito anos, Maria da Glória e Dulce, contavam aos berros, as desobediências do pequeno Herval, o filho caçula. Maria da Glória, sempre foi a mais enfática.
Ele cresceu como qualquer outro menino da vizinhança. Ia para escola pela manhã, no Grupo Escolar Armando de Nogueira Pinto, jogava bola na rua a tarde e vivia com os joelhos e dedos dos pés ralados. Empinava pipa, bolinha de gude era um craque e quando podia, às escondidas, ia para o fundão do quintal. Embora tivessem cimentado o antigo terreno, das rachaduras resultantes de um trabalho mal feito, brotavam as pequenas marronzinhas que eram, uma a uma, caçadas por ele. A técnica era sempre a mesma - um pouco de mel no chão e logo um monte delas apareciam para o seu deleite. 
De tempo em tempo, cismava em roubar maças, as mais vermelhinhas, na feira livre que todo sábado desde as primeiras horas do dia se instalava na rua de cima, a Felipe de Assis. Era um divertimento. Ouvia com alegria a barulheira dos feirantes logo cedo. Herval dispertava com essa ideia na cabeça. Além de tudo o sábado era o dia em que os pais voltavam mais cedo para casa e sempre traziam a galinha para ser depenada e que serviria de almoço no domingo junto com o macarrão.
Entre ele e Dulce, a irmã mais nova a diferença de idade era de seis anos e de Maria da Glória, a mais velha e mais chata, um pouco mais de sete, quase oito. Contudo, tratava-se de uma família feliz.

E assim a vida seguiu. Anos se passaram e agora o pequeno Herval tornou-se um rapaz bonito de 22 anos, alto e muito forte, sempre alegre e com disposição. As formigas fizeram-lhe bem à saúde. Aprendeu uma profissão a qual os pais orgulhavam-se muito - torneiro mecânico e segundo eles, dos bons. Emprego de carteira assinada na Tornearia Santo Ângelo que ficava na mesma rua da feira de sábado. O amigo de um tio ajeitou o serviço para ele quando completara 13 anos.  
Dulce se casou cedo, com 19 anos e foi com um primo de segundo grau metido a intelectual, mas bem amada pelo marido de sangue e também pelos quatro filhos, todos sadios - Rui, Nelson, Luiz e André. E a irmã, Maria da Glória, nitidamente dava sinais de encalhe, pura vocação para tia, diziam alguns ao pé d’ouvido.
__ Imagine só, trinta e poucos e nunca namorou…

__ Também, com a cara que ela tem… coitada...
Herval morava com os pais e a irmã solteirona e gostava muito de brincar com os quatro sobrinhos que eram seus vizinhos. Raro ele voltar para casa depois de um dia longo de trabalho sem estar com os bolsos cheios de balas e jogava de repente pela janela da sala,  para que a sobrinhada aos gritos se atirassem ao chão disputando cada uma delas.

__ ... é o tio Herval!  Eu sei que é você... tio... Os fedelhos se divertiam.
Ele nunca se mostrava, se escondia pela veneziana gemendo como se fosse um fantasma do além-túmulo e só dava as caras depois do jantar, lá pelas oito e meia, e afirmava aos meninos que não sabia de nada. Não era ele que jogava as balas. 
Na verdade, ia aos sobrinhos somente depois da sobremesa que, sorrateiramente buscava atrás de um pé de laranja que ficava nos fundos do quintal.
Saia para fora com a desculpa de fumante e seguia para os fundos do terreno a passos tranquilos, como que não quisesse nada com nada, assim deliciava-se furtivamente das suas antigas e saborosas amiguinhas. 
Sentia-se um pouco constrangido com isso, sempre sentiu-se assim, pois nunca soubera de ninguém no mundo que gostasse tanto de formigas. Hum.. mas elas são tão crocantes! O pensamento vinha-lhe forte e incontrolável.
Tudo ia bem, parecia ser uma vida tranquila nas cercanias. Alguns vizinhos mais antigos, os que chegaram do interior com seus pais ou mesmo antes deles, morreram. Alguns outros ainda resistiam à vida dura de trabalhador honesto. Herval os viu sempre como parentes. Tios e tias legais que viram ele crescer, que conhecem bem sua família. Um pouco fofoqueiros talvez, mas gente boa, gente do bairro - um sabe de tudo da vida do outro. (será que sabem mesmo?)
Numa tarde fria de quarta feira, logo quando saia da tornearia, ainda vestindo o macacão verde musgo com o emblema TSA bordado com linhas grossas e em vermelho cor de sangue, cravado no bolso esquerdo do peito, onde guardava uma pequena chave de fenda, esquecida, diga-se de passagem e ligeiramente sujo de graxa, Herval percebeu uma moça morena de cabelos compridos e lisos que cobria-lhe os ombros, de olhos castanhos escuros amendoados, caminhando toda séria, apressadamente pela calçada oposta à sua. Parecia conhecida. (seria mesmo?)
Sem que se desse conta, atravessou a rua para vê-la mais de perto. A miopia acentuara-se e a visita ao oculista, ora retardada, era inevitável. Mas naquele momento o que importava mesmo era ver mais de perto a tamanha formosura. Herval era decidido e muito curioso. Talvez fosse efeito das formigas na sua alimentação. O doce lhe atraia.
__ Olá, parece que conheço você.
A moça num susto, respondeu:
__ Que coisa! Quem é você? Saia da frente, por favor...
__ Sou o Herval e você?
__ Não me interessa, dá licença preciso ir, meu irmão está me esperando lá na esquina. Ela retrucou asperamente.
__ Seu irmão é o Ari?

Parando ela respondeu e perguntou:
__ É sim, como sabe, você conhece ele?
__ E você é a... puxa acabei esquecendo seu nome. Não se lembra de mim? Sou o Hervalzinho, eu estudava com seu irmão e ia muito na sua casa brincar com ele quando éramos crianças. Lembra?
__ É? Acho que me lembro. Dissimulou a linda morena de olhos amendoados que na certa não tinha mais que 19 anos, mas já olhando para Herval com um pouco mais de segurança, embora querendo safar-se dele.
__ Puxa vida, você cresceu heim! Está muito bonita.
__ Obrigada. Mas preciso ir,  meu irmão me espera e ele, você deve se lembrar, é muito bravo. 


E saiu não olhando para trás, nem tão pouco dizendo o seu nome. 

Herval voltou-se para o caminho de casa completamente, fisgado, entrelaçado e confuso. Seu coração batia forte e descompassado. Uma flecha o atingira do nada. Algo estranho acabará de acontecer e ele não compreendia. Mesmo assim não deixou de dar a passadinha no bar para comprar as balinhas dos pentelhos.
A noite foi longa na tentativa de lembrar-se do nome da moça tão linda, a irmã do Ari. Seria ela a mulher de sua vida? Pensou.
Os dias se passaram e com eles as noites mais frias. Dias e noites cansativos. Apreensivo e desanimado ele estava um pouco desconcentrado. Uns pensaram tratar-se de anemia. Não, não é nada disso, estou bem - respondia em tom baixo ao ser indagado. Quando podia, corria para trás do pé de laranja e lá tentava se animar. Difícil, tudo muito difícil e sem graça.
Até que, dois meses depois, Herval levou um susto quando viu a linda morena cruzar seu caminho. Foi num sábado de manhã, na feira da rua de cima. Eles se encontraram ao acaso (seria mesmo ao acaso?) na barraca das maças do seu Joaquim.
Surpreendentemente, ela sorriu para ele. Ele atônito retribuiu o sorriso como uma criança perdida quando encontra a mãe desesperada à procura do filho.
__ Oi!  Disse ela, estranhamente simpática.
__ Oi!  Respondeu ele, timidamente, mas com os olhos bem abertos, precisando certificar-se não tratar-se de uma miragem.
__ Qual o seu o nome? Perguntou Herval, sem pestanejar e sem que ela esperasse a pergunta.
__ Docimar. Esqueceu mesmo heim, Hervalzinho.
A voz dela entrou nos seus ouvidos como música tocada por uma orquestra sinfônica em ré bemol, como fossem os sons mais puros de águas de ondas calmas de um mar que se desmancha quando encontra as areias quentes de uma praia deserta. Docimar!
Herval recobrou-se e não parou de falar. Falou de tudo, do time que torcia, da comida que gostava, do que tinha feito no dia anterior. Docimar parecia feliz e retribuía a atenção do galante rapaz. Compraram verduras, legumes e muitas frutas, ambos descobriram naquele dia que gostavam demais das maças vermelhinhas, as menorzinhas.
As coisas iam tão bem entre eles que dois anos depois casaram-se na Igreja Nossa Senhora de Lourdes, a igreja mais antiga do bairro que abrigou em seu espaço amplo toda a vizinhança, apinhando todos os cantos da catedral. Maria da Glória, a irmã mais velha, dada ao tricô e aos fruticos, ficou sentada o tempo todo na cerimônia e na festa que se seguiu. As hemorróidas ardiam-lhe o ânus e acabavam com seu humor.
Agonia - Ismael Nery
Herval ensinou a bela esposa os prazeres da vida, inclusive o de saborear as formigas. Docimar com o tempo adquiriu o hábito sem frescuras. Volta e meia nas tardes quentes, principalmente, a sempre linda morena seguia para o fundo do quintal da casa, onde por anos moraram os pais, hoje falecidos, do seu amado esposo.
Criaram com dedicação e muito suor os três filhos, todos homens. O mais novo, Gabriel, herdou o gosto do pai pelas formigas graúdas, as mais crocantes e também passou a ganhar a vida como torneiro mecânico -  dos bons e está hoje para se casar com uma linda moreninha de olhos amendoados chamada, Amelhinha, filha do seu Joaquim, o da barraca de frutas. 
O filho do meio, Zé Antonio, um rapaz de poucas palavras e um tanto quanto estranho, segundo o falatório da vizinhança, curte intensa e secreta paixão pela tia Glória, agora um pouco mais soltinha e ambos são dados à bebida. (sabe-se lá). O mais velho, Júnior, o único estudado, mudou-se para a Itália  no ano passado quando fazia intercâmbio estudantil. Dizem que ele tem um namorado francês por lá, a vizinhança comenta sobre o assunto ao pé d’ouvido. Como se vê, as coisas mudaram pouco naquele antigo bairro. Junior está se tornando um renomado artista plástico.
Herval e Docimar formaram um casal perfeito e vivem muito felizes. Ele montou sua própria tornearia cinco anos depois que se casar e com ela mantém até hoje a família, incluindo a irmã mais velha, e ela, Docimar, prendada desde menina, dedica-se à costura. Hoje encontra certa dificuldade para enxergar as linhas, por isso os óculos de lentes grossas e de aros dourados robustos.
Todas as noites, depois do jantar, ouve-se o casal em cochichos atrás do pé de laranja, lá no fundo do quintal. Lá sempre teve um formigueiro rico, bem escondido, bem no cantinho do terreno.
Todo mundo tem uma história neste baita formigueiro. Eu tenho a minha e você, caro leitor, tem a sua. Herval e Docimar têm a deles e são bem felizes com ela. (Será?)

24/05/2012

Ismael Nery


Ismael Nery

Em Belém do Pará ele nasceu no ano de 1900 e no Rio de Janeiro viveu desde a infância. Faleceu ainda jovem, em 1934.
Precursor do Surrealismo no Brasil.



Mulher nua

Sem título











Nua

















Casal
O padeiro Camões
Mulher ao luar





















Expressionismo, cubismo e surrealismo. O olhar do artista sobre a mulher. Ele viveu pouco, mas soube olhar para elas como poucos. Com uma poesia descomunal.


(Registro)

Somente um pequeno registro. Não sou um estúpido fanático torcedor de um time de futebol. Não me vejo brigando ou discutindo por causa desse ou daquele time, nem tão pouco, anti isso ou anti aquilo. Até porque nenhum resultado, por mais que eu grite ou acenda velas, não depende de mim.
Acho engraçado quando ouço jogadores de futebol, na comemoração de um gol ou de uma vitória, dizer que Deus o ajudou ou que Ele queria assim. Balela, Deus não queria pindaiba nenhuma. O idiota fanático pensa e fala asneiras à troco de sua auto estima. Torcer é ficar alegre, ansiosamente feliz. Pelo menos deveria ser.
Mesmo assim, gosto muito do Palmeiras, aliás, prefiro chamá-lo de Palestra - Palestra Itália. 
A idéia de torcer (gostar) desse time de futebol me remete aos tempos de criança, quando tudo era mais tranquilo. Naquele tempo me parecia que todos eram palmeirenses. As pessoas mais próximas, parentes e amigos contavam com orgulho as proezas dessa sociedade esportiva. Só isso.


Fica a homenagem - a mim que tive uma infância feliz e a saudade daqueles que viviam no mesmo tempo que eu.
Outubro de 2013 - Inauguração da Nova Arena Palestra Itália. (será?)
Registro aqui para me cobrar quando outubro desse ano chegar.




Acho que os torcedores dos outros times (os não fanáticos) pensam como eu. Portanto somos iguais. (mas o meu é melhor)