18/09/2013

O Conto que eu conto.

Não sei de onde sai tanta bobagem, mas de vez em quando me pego escrevendo compulsivamente, incontrolavelmente, abusivamente, que nem me lembro como e quando comecei. Só me deixo levar nessas horas, escrevo sem me prender a nada e exatamente o que me vem à cabeça. Sem censuras, sem nada.

Gosto de contos e através deles coloco algumas ideias e bem ou mal eles acabam saindo.
Pra quem tiver paciência, confesso que acho que eu mesmo não a teria, segue mais um deles. Ao menos guarde para ler mais tarde. 

O CONTO QUE EU CONTO
por Romeu Paris

O encontro foi marcado na terça-feira para a noite de sexta da mesma semana. E seria por volta das nove e meia. 
O local foi definido para o Restaurante Fuji-Katawa que fica na esquina da Avenida 11 de Agosto com a Rua Joaquim Pinto de Macedo na Penha, zona leste de São Paulo.

Por que lá? Porque foi sob a marquise do prédio que abriga este restaurante onde eles se conheceram três anos antes. 

O local pareceu aos dois uma zona neutra e assim pudessem esclarecer dúvidas de forma natural.

Explico.

Juliano e Fabiana se protegiam da chuva forte num início de noite de uma quarta-feira, logo após saírem do trabalho, quando ele tomava rumo de casa e ela da faculdade. 

Ele um homem de meia idade e ela uma estudante de zootecnia.

Depois de alguns olhares e sorrisos fortuitos se apresentaram e deram início a uma conversa que durou mais de uma hora. Parecia um encontro de velhos amigos tamanha a afinidade que despertou entre os dois. 

Tempos depois reconheceram o intenso magnetismo que os prendeu, desde o primeiro instante quando se viram. Coisa inexplicável para quem busca razão em tudo. Não tente.

Marcaram um encontro com a intenção de esclarecer de corpo e alma lavada, coisas que por telefone ou pelas mensagens diretas no Face não teriam condições de faze-las, para definitivamente dirimir as dúvidas e os mal entendidos que fustigaram mágoas um ao outro quando, num dia de outono, abruptamente, não se falaram mais. Isso depois dos nove meses de um quase namoro, pois de certo, quem os vissem conversando julgaria de pronto tratar-se de namorados em conluio. 

Quase um namoro, como assim? 

Explico novamente. 

Eles na verdade nunca foram namorados e nem se quer cogitavam qualquer coisa desse tipo, pelo menos da forma convencional, um namoro clássico como conhecemos. 
Consideravam-se bons amigos. Se diziam verdadeiros amigos, se protegiam de maior aproximação convencendo-se de que eram amigos de verdade, nada mais. 
Tornaram-se confidentes, cada vez mais um confiava no outro. Jamais trocaram abraços nos encontros diários lá no ponto do ônibus. No máximo se cumprimentavam e se despediam com beijinhos no rosto ou com apertos de mãos dos mais comuns. Escondiam sim, sem dúvida, olhares intensos que ameaçavam seus segredos inconfessáveis. 
De vez em quando, por duas ou três vezes, combinaram almoços, aliás, nesse mesmo restaurante. Afinal, que mal tem? Amigos também almoçam juntos.

Se queriam bem, isso era fato. Gostariam de se ver mais vezes, eles adoravam os encontros do final do dia, não escondiam isso um do outro e esses, aos poucos, deixavam de ser casuais. Contavam os minutos do dia para que a noitinha chegasse e sabiam que teriam pouco tempo, mas também sabiam que seriam plenos. 
Trocavam emails e  mensagens pelo celular ou eventualmente conversavam por telefone, uma ou outra vez, inclusive, nos finais de semana. Esses carregavam palavras de carinho de forma, pode-se dizer, codificada, atrás de cada frase, de cada palavra havia sempre muita ternura. 
Curtiam-se muito e nem compreendiam a razão para tanta curtição. Confundiam-se às vezes no afeto, ficavam constrangidos.
Talvez já escondessem de si mesmos sentimentos que lhes pareciam totalmente inconvenientes. O que o mundo iria dizer? Isso seria loucura!

As circunstâncias, essas eram bem claras a ambos, não deixavam nenhum rastro para qualquer possibilidade de uma aproximação mais íntima, mais profunda, uma daquelas totalmente reveladoras. Nem ele e nem ela se manifestavam por esse caminho, ao menos de forma declarada. Havia um bloqueio nesse sentido e, pior, ambos sabiam e bem o quanto eram comprometidos em suas vidas pessoais - ele casado e ela praticamente noiva.

De forma inesperada se afastaram e tudo indicava que seria para sempre, jamais se veriam novamente. Foi tudo muito rápido e incompreensível. Ficou uma lacuna no ar, um hiato. Uma brecha de tempo que nenhum deles conseguia esquecer.

Embora não tivessem trocado uma única palavra durante o tempo em que estiveram distantes, período que durou pouco mais de dois anos, mantiveram-se conectados no pensamento, somente eles sabiam disso e por um fio tênue, frágil como uma linha de algodão, ligados pela rede social. Não se atreveram depois da separação a bloquear a amizade virtual. Esse cordão precisava ser mantido.
A atração que sentiram um pelo outro realmente não tinha explicação, pareceu eterna, beirando a transgressão da ordem natural. Não havia lógica.

Ele tomou a iniciativa depois de muito relutar e provocou a moça utilizando-se do recurso tacanho do cutucar da rede social. 
Juliano sempre foi um sujeito criativo, mas para as questões inexplicáveis, nitidamente, revelava-se um zero a esquerda. Ele sempre foi assim.
Depois de cinco dias de notar que foi cutucada por Juliano, Fabiana finalmente tomou coragem e num ímpeto de despojo do orgulho ferido e da mágoa guardada pela sensação de abandono de dois anos antes, respondeu cutucando Juliano.

Algumas cutucadas se seguiram e essas se deram com intervalos cada vez menores. Pareciam se medir. Até quando ele tomou coragem e postou um OI na caixa de mensagem dela. 
A resposta não foi imediata como ele esperava. Juliano pensou que teria abusado do relaxamento de Fabiana. Ela não se conteve, ruborizou, praguejou, lacrimejou e até se perguntou do porquê do mal-caráter ter procurado ela depois de tanto tempo. O que ele está querendo comigo agora? Canalha, covarde, filho da puta!
Contudo, duas semanas depois, com o mesmo despojo de antes, somado a uma boa dose de coragem e resignação, ela respondeu e enviou um OI a ele. 

E assim se desenhou o encontro. Na verdade um reencontro. 

Esse encontro ou reencontro ainda não aconteceu, acontecerá. Mas quando Juliano e Fabiana estiverem juntos para conversarem, numa sexta feira qualquer, ou mesmo num outro dia, sei lá, eu conto aqui no meu conto, como o Conto que eu Conto termina de verdade. O final será surpreendente.

Por hora, torço por eles. E você?

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