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Como de costume o relógio despertou às 06h30. A mão alcançou a trava e mais uma vez, por conta do sono, ela tombou o aparelho. Os trincados do vidro depois de anos já se mostravam amarelados, mas a peça se mantinha na estrutura.
As coisas de antigamente eram para sempre.
Empurrou o cobertor para o lado e jogou a perna direita e depois a esquerda ao chão. Sentou-se à cama e com os pés procurou os chinelos. Os calçou e seguiu ao banheiro, a bexiga parecia querer explodir.
O penico ficou de longe esquecido. Virou vaso para a samambaia, lá no quintal. O banheiro agora ficava dentro de casa.
Dez minutos após voltou ao quarto para acordar Seu Francisco. Depois de alguns cutucões deu-se conta que o marido não se mexia, não respirava, estava frio, parecia um cadáver. Os olhos estavam bem fechados.
Pensou: morreu.
Depois de quase cinquenta anos Dona Conceição não tinha mais quem a inibisse nas opiniões e nem a quem precisasse cozinhar na hora certa, senão a ela mesma, quando e o que quisesse.
Até os 17 os pais europeus eram os inquisidores. A partir daí o marido tomou o lugar deles. Os filhos não a ouviam há anos. Muito menos as noras e os genros. Os netos, todos mal-educados para o gosto dela.
Conceição sentiu-se livre. Finalmente.
Iria viver a partir dali com seus setenta e tantos anos, como sempre quis viver: sem ter que dar satisfação a ninguém, muito menos viver pra contar histórias e dar milho aos pombos.
Isso é coisa de quem se sente preso.
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