24/11/2013

O OBSTINADO

Ver, ouvir, pensar e fazer. 
Seguir em frente até um desmiolado consegue. A figura de um zumbi representa bem o que é isso. 
O negócio é seguir com clareza, sentir-se seguro, firme e ao mesmo tempo leve. 

Não de uma leveza onde o vento possa controlar. Existem abismos, por isso, há de se ter direção. 
Para se ter direção é preciso atenção e crença na capacidade. Pode-se descobri-las deixando-se de lado o excesso de comedimento. O atrevimento pode ser dirigido e saboreado. 
Acreditar não somente por acreditar. É preciso considerar as ideias e escutar a intuição. A intuição pesa ao vencedor.  
Vencer não é ganhar. Ganhar é um presente recebido, portanto, tem outro sentido. O derrotado também ganha presentes.  
O vencedor por natureza é um conquistador, um sonhador que manuseia a atenção, dando aos sonhos uma direção. 
O obstinado vencedor, olha, vê, sente e faz. 
Bom domingo.

20/11/2013

O ENCONTRO NO CHINESE THEATRE

Encontrei meu amigo Johnny Deep outro dia zanzando pelas ruas de Los Angeles, lá na Hollywood Boulevard, quase em frente ao Chinese Theatre.
Tentei desviar o olhar, ameacei atravessar a rua, mas não deu tempo, logo ele me chamou:


__ Oi cara!

Respirei fundo e me fiz de surpreso.

__ Como vai, Johnny?

Enquanto ele se aproximava tratei logo de esconder a carteira fechando o zipper do bolso, pois é sempre um risco estar perto dele com a grana disponível.

Ele se vestia como uma pessoa comum. Odeia ser um astro sem ter privacidade. 
Trajava um terno azul marinho dos baratos, camisa branca e uma gravata azul estampada. Carregava uma bíblia na mão e o chapéu clássico escondia os longos cabelos. Óculos de aros retangulares de metal, com lentes grossas davam-lhe o quê de idiota necessário para a ocasião.

Não foi reconhecido por ninguém. Mas eu, hum... ele nunca me engana.

Assim que respondi ele pôs o dedo na boca pedindo cuidado. Compreendi, sem nomes, por favor.

__ Ainda bem que te encontrei. Acabei de falar com o Tim (Burton) ele precisa de sua ajuda.

__ Sei. E o que ele quer dessa vez? Respondi.

__ É sobre o Hitch. (Alfred Hitchcock)

__ Não, não! Hitch de novo, não dá! Sinto muito.

__ Dê uma chance a ele, velho. O cara é legal. Está com planos de um novo filme - Os pássaros.

__ Jurei pra mim mesmo que nunca mais trabalharia com Hitch e nem com o Spielberg, nem Tarantino, Felini, Anselmo Duarte e Almodôvar.

__ Pô, cara. Mal isso heim!

__ Acertei com o Kubrik já. Mês que vem iniciamos.

Mas ele insistiu:

__ Não custa nada, vai. Fale com o Tim e você vai entender melhor o plano.

__ Ok. Ligo pra ele amanhã. Só porque você está me pedindo. Preciso seguir agora, vou comprar ração no Carrefour.

__ Valeu, cara. Você é o cara! Ah! Toma um presente. O disco novo do Amado Batista. Acabei de comprá-lo, mas quero que fique com ele.

__ Valeu, abraços, Johnny!

__ Psiu! Dedo na boca. 

Segui meu caminho sem olhar pra trás. Lembrei do Jack Sparrow, Keith Richards e do Henrique Pizzolato comendo pizza na Itália com nosso dinheiro.


Baseado em sonhos reais.

18/11/2013

O Plano - Um conto ultra curto

Suicidou a mulher quando soube que ela o traia com o vizinho e em seguida assassinou-se. 
Sequência minuciosamente elaborada pelo autor do crime sem que jamais alguém pudesse descobrir a verdade. 
LOCAL E DATA - Deitados na cama do casal. Madrugada de um domingo para segunda - chuvosa e com muitos trovões. 
1 - Um tiro na boca da infiel enquanto ela dorme.
2 - Limpar as digitais no revólver.
3 - Colocar a arma na mão esquerda dela. (era canhota)
4 - Aproximar-se e apertar o dedo acionando o gatilho em sua direção.
5 - Ambos morrem na hora.
6 - Ela leva a fama.
7 - O vizinho? …ele se vira. 
Uma carta reveladora foi encontrada na mão direita da assassina suicida. Nela a mulher dizia-se portadora de um vírus vaginal infeccioso, mortal, restando-lhe dar cabo das vidas do marido e de si própria.  
O vizinho suicidou-se na tarde daquela segunda feira e ninguém soube o motivo.
Baseado em fatos reais (ou irreais).

08/11/2013

Stanley Kubrick, Daisy e HAL


Stanley Kubrick foi genial quando colocou uma música muito, muito antiga em seu filme 2001 - Uma Odisséia no Espaço, na cena em que HAL é desconectado - Daisy Bell.  Uma canção folclórica lá do final do século 19.

O super computador precisava ser desligado porque havia se rebelado do comando de Dave e Frank, os dois únicos tripulantes da nave que seguia em missão à Júpiter. 

A lógica de HAL 9000 não compreendia o significado da palavra sentimento ou, talvez compreendesse à sua maneira. 

HAL julgou-se traído quando percebeu que os astronautas tramavam a sua desativação, dentro de uma cápsula de voos curtos, o único lugar da nave onde não seriam ouvidos, Dave e Frank decidem por isso.
HAL compreendeu a artimanha a partir da leitura labial quando eles se articulavam dentro do módulo. 

A cena é enigmática e tem muito estilo. Muito além de programado, HAL adquiriu vida própria e queria se valer dela.


Ele vinha dando sinais de arrogância e de insubordinação, fez um diagnóstico errado sobre um problema na nave que posteriormente constatou-se ser um engano. HAL argumentou e disse que a falha era humana. 

Tanto Dave quanto Frank entenderam que HAL estava estranho.

Frank fazia um reparo no lado externo da nave quando a cápsula que o deslocou até lá, também controlada por HAL, de súbito vira-se e inesperadamente vai ao encontro dele para atacá-lo. Vê-se em seguida, tanto a cápsula quanto Frank descartados no espaço como lixo.

Em outra cápsula Dave segue para o resgate do amigo. Com dificuldade ele pinça o astronauta perdido usando os braços articulados da máquina, carregando Frank, provavelmente morto, de volta à nave.
No retorno ele dá ordem a HAL para que este abra a porta. HAL se recusa a obedecer o comando. Dave indignado usa uma porta de emergência e consegue o acesso com dificuldade, porém, sem o companheiro.
  
Entra nela e se dirigi ao cérebro do computador - uma sala de luz vermelha densa, onde a gravidade é zero e de aparência fria e inicia o procedimento. Tudo sob insistentes pedidos de HAL para que ele se acalmasse e refletisse melhor sobre o assunto.


Dave está decidido e na medida em que vai sacando os módulos do painel central, o super computador se desorienta, implora pela tolerância de Dave, mas aos poucos vai perdendo a razão. Tropeça nas ideias, diz frases sem sentido e as mais remotas lembranças do seu arquivo ele põe pra fora. 

A última coisa que HAL faz antes de se apagar é cantar Daisy Bell com a voz rouca e cada vez mais lenta.

A cena é bonita de ser ver. 

Se alguém se lembrar do antigo jingle do remédio FIMATOSAN, poderá usar a música deste comercial com a letra aqui timidamente traduzida.

Daisy, Daisy, responda-me por favor.
Estou meio louco porque me apaixonei por você.
Não será um casamento elegante, não posso pagar uma carruagem.
Mas você ficará linda no selim da minha bicicleta feita para dois.

Talvez este seja o melhor filme Stanley Kubrick. 2001: A Space Odyssey. Futurista, filosófico  e essencialmente simbólico - na estética e no enredo. Sem contar que o filme foi revolucionário nos planos, nas sequências e nos efeitos especiais. Considerando que foi produzido em 1966/67.

O roteiro segue da aurora do homem, quando este se descobre na terra até milênios do seu futuro fora dela, alcançando o distante universo. Possivelmente onde encontrará a imortalidade. 

Um monolito emblemático surge de tempo em tempo no filme. A cada aparição faz repercutir alterações na percepção dos seres inteligentes. Uma espécie de contato imediato ou uma interferência na vida deles, colocada pelo que seria a representação de Deus.

A ternura de Daisy contrastando com a racionalidade do homem e sua máquina, faz o mais sensível chorar.

Afinal, somos gente de carne, osso e de mais alguma coisa que precisamos descobrir.


Imagens: Google

06/11/2013

CUIDADO COM O QUE VOCÊ ESTÁ PENSANDO

Imagem Google

O eleitor ficou tão irritado que acabou estourando os miolos do candidato.

Mal efetuado o disparo que atingira a têmpora direita do infeliz que alardeava promessas em praça pública, um estampido luminoso que lançou a bala provocadora do furo de calibre trinta e oito deste lado e um de doze no do esquerdo, o súbito de ira do eleitor se esvaiu tão rapidamente quanto a luz de um flash de câmera fotográfica e ele viu-se metido numa encrenca sem igual.

No entanto, sentiu-se de alma lavada. Qualquer um poderia notar isso em seu semblante.

Quatro bruta-montes jogaram o atirador ao chão e sobre ele, com rancor profissional, colocaram todo o peso dos seus corpos, esganando ainda a garganta fina do detido que já se mostrava sufocado.

A mãe do eleitor que abraçava a mãe do candidato durante o comício, comadres desde muito, desmaiaram segundos depois - uma pelo filho, irremediavelmente morto e a outra pelo filho que acabara de desgraçar a própria vida. 
Populares paralisaram-se de olhos arregalados. Mulheres gritaram, meninos berraram e os velhos ficaram sem entender nada.

João Louco, o sem teto, ergueu os braços para o céu e cantou "Canção da América" em espanhol. Em seguida mandou ver um "Coração de Estudante".

A praça central de Santa Carolina, apinhada de gente naquela tarde de domingo, mostrou-se pequena para o tumulto que se formara. Da multidão surgiam clareiras aqui e ali que se movimentavam desorientadas, vistas de cima lembravam germes afoitos quando observados pelos microscópios.

O caos se estabeleceu.

O delegado desceu do camburão alisando o bigode amarelado de tanta nicotina, esboçando toda razão do mundo. Ivani e Clayton, seus auxiliares, saltaram da viatura pedindo para que todos se afastassem. 

O padre saiu da igreja atônito, segurando uma vela com a mão esquerda. Poucos perceberam, mas dele saiu um tremendo palavrão.

Abram alas, saiam da frente que a ambulância chegou! Gritavam.

O médico disse não. Não havia mais o que fazer, colocou o estetoscópio sobre o coração do candidato, agora praticamente sem cabeça e levantou-se em seguida para sacudir o rosto. Dr Olavo Bilac de Souza nunca se precipitou num diagnóstico.

Esse já era! Comuniquem os familiares. Decretou em cheio.

Sultão lambeu o chão e remeteu ao estômago pedaços de carne e ossos que se espalhavam até a sarjeta, uns ainda pisoteados. O gosto da pólvora temperava os petiscos e embrulhou o bucho do cão. 

Correligionários insistiam tratar-se de intriga da oposição. O banqueiro de pronto mostrou-se disponível para o crédito funerário e Zé do Caixão mediu o defunto com precisão, foi logo para o velório preparar o salão.

O prefeito disse pressentir que tal fato poderia ocorrer em sua cidade - havia muita animosidade entre as partes, pronunciou - uma tragédia em Santa Carolina inestimável! 
A cidade que até então era tida como um paraiso tropical, pairagens de violência zero e de verdes-que-te-quero-verdes, agora, perene, preparava-se para ilustrar o Cidade Alerta e o Brasil Urgente na TV. 

Aquilo tudo era demais para qualquer cidadão de título na mão.

O eleitor, ora um assassino confesso, foi recolhido sob urros guturais e ameaços de linchamento por muitos. Por outros, diferente, com louvor, foi motivo de aplausos calorosos, gritos de "eleitor-olê-olê-olê-olá", assim como fazem com os heróis em partidas de futebol. 

Vai entender.

O fato apurado posteriormente é que o candidato fora morto não por questões políticas ou disputas eleitorais mas sim, por uma situação bastante distante.

O eleitor descobriu que ele, o candidato, vinha comendo sua mulher desde julho passado.
O marido traído tinha acertado antes, também, a têmpora esquerda da esposa, cujo corpo fora encontrado horas depois da confissão.

O escrivão Toninho Pescador fez o BO e foi perfeito no relato. Detalhou todos os pormenores com precisão cinematográfica. Ficou fácil para o Juiz. 
Logo após comentou com Ivani, a investigadora de plantão que o acompanhava na escrita:

__ Puta idiota esse eleitor, só porque o candidato comeu a mulher dele o cara faz toda essa cagada. Os políticos fodem a gente o tempo todo e ninguém sai por ai arrancando as cabeças desses filhos das putas.


Concordaram e foram para a padaria tomar uma gelada.